A arma mais perigosa do sul da Ásia não é nuclear | Tensões Índia-Paquistão

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Quando a Índia lançou a Operação Sindoor e o Paquistão respondeu com a Operação Bunyan-um-Marsoos, o mundo se preparou para a escalada. Analistas prenderam a respiração. Twitter explodiu. A linha de controle – aquela cicatriz irregular entre duas imaginações inacabadas de nação – iluminou novamente.

Mas se você pensa que o que aconteceu no início deste mês foi apenas uma troca militar, você perdeu a história real.

Foi uma guerra, sim, mas não apenas de mísseis. Era uma guerra de narrativas, orquestrada em manchetes, hashtags e redações noturnas. O campo de batalha era a mídia. A munição era discurso. E as baixas eram nuances, complexidade e verdade.

O que testemunhamos foi o culminar do que os estudiosos chamam de guerra discursiva – a construção deliberada da identidade, legitimidade e poder através da linguagem. Nas mãos da mídia indiana e paquistanesa, todo ato de violência foi roteirizado, todas as imagens com curadoria, todas as vítimas politizadas. Isso não era cobertura. Era coreografia.

Cena um: o ataque justo

Em 6 de maio, a Índia atingiu primeiro. Ou, como a mídia indiana emoldurou, a Índia defendeu primeiro.

A Operação Sindoor foi anunciada com pompa teatral. Vinte e quatro ataques em vinte e cinco minutos. Nove “hubs terroristas” destruídos. Zero baixas civis. Os vilões-Jaish-e-Muhammad, Lashkar-e-Taiba, “fábricas terroristas” em Bahawalpur e Muzaffarabad no Paquistão-foram consideradas reduzidas ao pó.

As manchetes foram triunfalistas: “Surgical Strikes 2.0”, “O rugido das forças indianas chega a Rawalpindi”, “Justiça entregue”. Os porta -vozes do governo chamaram de “resposta proporcional” ao massacre de Pahalgam que deixou 26 turistas indianos mortos. Ministro da Defesa Rajnath Singh Declarados: “Eles atacaram a testa da Índia, ferimos o peito deles”. Cinematográfico? Absolutamente. Deliberar? Ainda mais.

A mídia indiana construiu uma identidade nacional de poder moral: um estado forçado a entrar em ação, respondendo não com raiva, mas com restrição, armado não apenas com mísseis Brahmos, mas com Dharma – dever justo e ordem moral. O inimigo não era o Paquistão, a narrativa insistiu – era terror. E quem poderia se opor a isso?

Este é o gênio de enquadrar. A teoria construtivista nos diz que os estados agem com base em identidades, não apenas interesses. E a identidade é forjada através da linguagem. No caso da Índia, a mídia criou uma história em que os militares foram amarrados à clareza moral. As greves não foram agressões – elas eram catarse. Eles não foram guerra – eram terapia.

Mas aqui está a coisa: terapia para quem?

Cena dois: a defesa sagrada

Três dias depois, o Paquistão reagiu. A Operação Bunyan Marsoos – árabe para “parede de ferro” – foi declarada. Somente o nome diz tudo. Isso não foi apenas uma greve retaliatória; Era uma afirmação teológica, um sermão nacional. O inimigo ousou invadir. A resposta seria divina.

Os mísseis paquistaneses teriam chovido em locais militares indianos: sede da brigada, um sistema S-400 e instalações militares em Punjab e Jammu. Primeiro Ministro Shehbaz Sharif proclamou que o Paquistão havia “vingado a guerra de 1971”, na qual havia capitulado e permitido que Bangladesh se separasse. Isso não é estratégia no campo de batalha. Isso é fabricação de mitos.

A mídia no Paquistão amplificou essa narrativa com zelo patriótico. Os ataques indianos foram enquadrados como crimes de guerra, mesquitas atingidas, civis mortos. Fotografias de escombros e sangue foram combinadas com legendas sobre o martírio. A resposta, por outro lado, foi precisa, moral e inevitável.

A identidade nacional do Paquistão, como construída neste momento, era de vítima justa: somos pacíficos, mas provocados; contido, mas resoluto. Não buscamos guerra, mas também não tememos isso.

A simetria é estranha. Ambos os estados se viram como defensores, nunca agressores. Ambos reivindicaram superioridade moral. Ambos insistiram que o inimigo disparou primeiro. Ambos disseram que não tinham escolha.

Construindo o inimigo e a vítima

A simetria também era aparente na imagem construída do inimigo e das vítimas do travamento.

A Índia retratou o Paquistão como uma fábrica terrorista: duplicada, desonesta, um spoiler de armas nucleares viciado em jihad. A identidade paquistanesa foi reduzida ao seu pior estereótipo, enganoso e perigoso. A paz, nesta visão de mundo, é impossível porque o outro é irracional.

O Paquistão, por sua vez, lançou a Índia como um estado fascista: liderado por um regime majoritário, obcecado por humilhação, ansioso para apagar os muçulmanos da história. O primeiro -ministro Narendra Modi foi o agressor. A Índia era o ocupante. Suas greves foram enquadradas não como contraterrorismo, mas como guerra religiosa.

Em cada caso, o inimigo não era apenas uma ameaça. O inimigo era uma idéia – e uma idéia não pode ser fundamentada.

Este é o perigo da construção de identidade orientada pela mídia. Uma vez que o outro se torna uma caricatura, o diálogo morre. A diplomacia se torna fraqueza. Compromisso se torna traição. E a guerra se torna não apenas possível, mas desejável.

A imagem do outro também determinou quem foi considerado uma vítima e quem não era.

Enquanto os mísseis voavam, as pessoas morreram. Os civis na Caxemira, de ambos os lados, foram mortos. Aldeias nas fronteiras foram bombadas. Sites religiosos danificados. Pessoas inocentes deslocadas. Mas essas histórias, as histórias humanas, foram enterradas sob os escombros de retórica.

Nos dois países, a mídia não lamentou igualmente. As vítimas ficaram triste se fossem nossas. Deles? Garantia. Ou fabricado. Ou esquecido.

Esse luto seletivo é uma acusação moral. Porque quando nos preocupamos apenas com nossos mortos, ficamos entorpecido à justiça. E nessa dormência, a violência se torna mais fácil da próxima vez.

A batalha pela legitimidade

O que estava em jogo durante o confronto Índia-Paquistão não era apenas território ou vantagem tática. Foi legitimidade. Ambos os estados precisavam convencer seus próprios cidadãos e o mundo de que estavam do lado direito da história.

A mídia indiana apoiou -se no quadro global de “guerra ao terror”. Ao direcionar os militantes do Paquistão, a Índia se posicionou como parceira em segurança global. Parece familiar? Deveria. É o mesmo manual usado pelos Estados Unidos no Iraque e Israel em Gaza. Idioma como “cirúrgico”, “precisão” e “preventivo” não descreve apenas, ele absolve.

Enquanto isso, a mídia do Paquistão apoiou o peso moral da soberania. Os ataques da Índia foram enquadrados como um ataque não apenas em terra, mas em Izzat, honra. Invocando espaços sagrados, divulgando as baixas civis, o Paquistão construiu a Índia não como um ator contraterrorista, mas como um valentão e um blasfemérico.

Esse cabo de guerra discursivo se estendeu até a fatos. Quando a Índia alegou ter matado 80 militantes, o Paquistão chamou de ficção. Quando o Paquistão alegou ter abatido jatos indianos, a Índia chamou de propaganda. Cada um acusou o outro de desinformação. Cada ecossistema de mídia se tornou um salão de espelhos, refletindo apenas o que queria ver.

Cessar -fogo, silêncio e uma chamada para ouvir de maneira diferente

As armas ficaram em silêncio em 13 de maio, graças a um cessar-fogo de corretor nos EUA. Ambos os governos reivindicaram a vitória. Os meios de comunicação seguiram em frente. O críquete retomado. Hashtags desapareceram.

Mas o que permanece a história que cada lado agora fala sobre si mesmo: estávamos certos. Eles estavam errados. Mostramos força. Eles recuaram.

Esta é a história que moldará livros, eleições, orçamentos militares. Ele informará o próximo impasse, o próximo escaramuças, a próxima guerra.

E até que a história mude, nada irá. E isso pode mudar.

As narrativas construídas em verdades concorrentes, forjadas em redações e campos de batalha, realizados em comícios e funerais, não são eternos.

Assim como foram construídos, eles podem ser desconstruídos. E isso só pode acontecer se começarmos a ouvir a voz mais alta, mas para a que aprendemos a ignorar.

Então, na próxima vez que a bateria da guerra bate, pergunte não apenas quem disparou primeiro, mas quem falou por último. E pergunte que história esse discurso estava tentando contar.

Porque no sul da Ásia, a arma mais perigosa não é nuclear.

É narrativa.

As opiniões expressas neste artigo são do autor e não refletem necessariamente a postura editorial da Al Jazeera.



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