A extrema-direita, sabemos, odeia a ciência. E faz sentido. Com sua estrutura baseada em hipóteses, testes, evidências e fatos, ela é uma natural inimiga de quem usa narrativas como realidades absolutas. Agora, o governo Trump planeja extirpar o que vê como o mal pela raiz: vai destruir a estrutura de ciência e tecnologia que tornou os EUA a nação mais poderosa do mundo nos últimos 80 anos. Como recentemente visto nos embates para impor sua ideologia sobre as grandes universidades americanas, a solução tem sido sabotar o principal motor da produção científica: o financiamento.
A proposta do orçamento federal para 2026 ainda não foi oficialmente apresentada pela Casa Branca, mas documentos preparatórios já circulam entre as agências científicas e causam rebuliço. Sethuraman Panchanathan, diretor da NSF (Fundação Nacional de Ciência), jogou a toalha e renunciou na última quinta-feira (24), com 16 meses de mandato ainda por cumprir. Não deu justificativas. A decisão vem na esteira da perspectiva de que a NSF terá um corte de 55% no seu orçamento de US$ 9 bilhões para 2026, acompanhada pela demissão de metade dos funcionários.
Na Nasa, com orçamento anual de cerca de US$ 25 bilhões, a previsão não é muito melhor. Os cortes serão, ao todo, de uns 20%, de acordo com documentos internos. Mas o setor de ciência da agência espacial terá atenção especial com um corte médio de 50% –um pouco mais, cerca de 60%, para ciências da Terra (quem precisa de dados sobre mudanças climáticas, não é?) e um pouco menos, cerca de 30%, para ciência planetária (o estudo dos outros mundos do Sistema Solar). O corte mais brutal viria para astrofísica –cerca de 67%.
Entre as baixas imediatas dessa política de destruição em massa da ciência americana estariam a missão de retorno de amostras de Marte, a sonda DaVinci a Vênus e o Telescópio Espacial Nancy Grace Roman (com lançamento programado para 2026). Todas acabariam canceladas.
É tão devastador que até mesmo políticos republicanos, do mesmo grupo de Trump, estão traçando a linha entre conservador e destruidor. Um trio deles, Newt Gingrich, ex-presidente da Câmara, Robert Walker, ex-líder da comissão de Ciência da Câmara, e Charles Miller, chefe da equipe de transição da administração Trump para a Nasa, assinou um artigo no site Real Clear Science em que se dizem “profundamente perturbados que [a] Casa Branca esteja contemplando cortar o orçamento de ciência da Nasa em até 50%”.
“Cortes profundos aos programas de ciência da Nasa seriam o fim da liderança dos EUA [e] sinalizariam claramente ao mundo (e às crianças americanas) que são uma potência em declínio.” Que bom que alguém está reparando.
Questionado sobre isso em audiência do Senado, Jared Isaacman, o escolhido de Trump para comandar a agência, disse: “Eu não revisei ou tomei parte em qualquer discussão oficial, mas uma redução de cerca de 50% ao orçamento de ciência da Nasa não parece ser um desfecho ideal”, disse, prometendo defender maior investimento em ciência.
Até Elon Musk, aliado de primeira hora de Trump, descreveu a proposta como “preocupante”, em postagem na rede social X, tirando o corpo fora em seguida. “Sou muito favorável à ciência, mas infelizmente não posso participar em discussões do orçamento da Nasa, porque a SpaceX é uma grande contratante para a Nasa.”
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, em Ciência.
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