A síndrome do bom aluno: quando ser bonzinho vira prisão – 31/05/2025 – Nicolás José Isola

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Ele sempre entrega no prazo. Sempre está disponível. Sempre diz sim. Chega cedo, sai tarde. Ajuda todo mundo. Não reclama. Trabalha dobrado quando a equipe está sobrecarregada. Nunca pede nada para si.

É o funcionário dos sonhos. Mas também é o retrato silencioso de uma tragédia subjetiva: o “bom aluno” crescido. Adultos que, por trás da competência e da dedicação, escondem um vazio profundo de si mesmos.

Esse tipo de perfil é comum no mundo corporativo. Pessoas que vivem para agradar, para corresponder às expectativas dos outros, que têm dificuldade de dizer “não”, que assumem responsabilidades que não lhes cabem. Que protegem, acolhem e salvam os demais — mas esquecem de proteger, acolher e salvar a si mesmos. São aqueles que nunca causam problema. Que são sempre “ótimos de trabalhar junto”. Que não incomodam. E que, muitas vezes, acabam explorados.

Nas empresas, esses perfis são facilmente identificados — e, infelizmente, também facilmente abusados. São aqueles a quem se pede “só mais uma coisinha”, que assumem tarefas que outros negligenciam, que cobrem ausências, que fazem o trabalho invisível que mantém a engrenagem girando. São convocados para missões impossíveis e, como sempre dão conta, continuam sendo sobrecarregados. Paradoxalmente, apesar de toda essa entrega, os reconhecimentos e promoções costumam ir para os que se mostram, os que negociam, os que se impõem. O bom aluno, por estar sempre disponível, vira parte do cenário. Não brilha — serve. E segue esperando que, um dia, alguém repare.

Não é falta de inteligência. Nem de ética. É, em geral, excesso de autoabandono.

Esse comportamento nasce cedo. Crianças que não foram vistas, cujos sentimentos foram desvalorizados, que cresceram tentando conquistar amor sendo “boas”. Que entenderam que o afeto vinha condicionado ao desempenho, à obediência, ao sacrifício. Que não puderam desejar — porque desejar era ser egoísta, era desagradar, era se arriscar.

E então, já adultos, terceirizam o desejo. Não sabem o que querem, mas sabem o que os outros querem delas. E vivem tentando corresponder. Tornam-se altamente funcionais, mas emocionalmente dependentes. Esperam que alguém — um chefe, um parceiro, um sistema — lhes diga o que fazer, como viver, o que sonhar.

O “bom aluno” não escolhe: se adapta. Não briga: entende. Não confronta: se cala.

E o preço disso, mais cedo ou mais tarde, aparece: burnout, frustração, invisibilidade, cansaço existencial. A vida vira uma sucessão de tarefas cumpridas — mas não vividas. São pessoas queridas por todos, mas que não se sentem amadas de verdade. São funcionais — mas não estão bem.

A raiz disso é delicada: a autoestima frágil de quem não aprendeu a se priorizar. De quem confundiu cuidado com submissão. E confundiu amor com renúncia.

É hora de virar a chave.

Porque não se trata de deixar de ser bom — mas de deixar de se abandonar para isso. Não se trata de virar egoísta — mas de reconhecer que quem não se cuida vira peso, não apoio.

Você não veio ao mundo para ser exemplo de esforço. Nem mártir do trabalho. Nem salvador de ninguém. Você veio para viver com inteireza, para desejar com coragem e para cuidar de si com dignidade.

Então, se você se reconhece nesse retrato, faça hoje uma pergunta simples e radical: o que eu quero? E depois outra ainda mais ousada: o que eu estou disposto a fazer por mim?

Pare de pedir permissão para viver. Seu desejo não precisa de aprovação. Sua vida não precisa ser justificável, precisa ser sua.


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