Will Dunham
O corpo humano não foi feito para voos espaciais. Como resultado, viajar além dos limites da Terra desencadeia mudanças fisiológicas que afetam a saúde de um astronauta.
Veja alguns dos efeitos na saúde humana já conhecidos pela ciência.
Por que voos espaciais são difíceis para o corpo humano?
Ao longo de milhões de anos, o corpo humano evoluiu para funcionar de forma ideal no ambiente da Terra, com sua sua gravidade, composição atmosférica e níveis relativamente baixos de radiação.
Viagens espaciais, por sua vez, expõem as pessoas a um ambiente bastante diferente, apresentando uma série de desafios fisiológicos e psicológicos, sobretudo com exposição prolongada, de acordo com Afshin Beheshti, diretor do Centro de Biomedicina Espacial da Universidade de Pittsburgh.
Para proteger os humanos nesses voos, ainda são necessários mais dados sobre astronautas com diferentes históricos de saúde e em diferentes tipos de missões. Isso ajudaria a mapear perfis de risco personalizados e estratégias de mitigação, segundo Chris Mason, professor de fisiologia e biofísica na Weill Cornell Medicine, em Nova York.
Quais são os perigos da radiação espacial?
Diferentemente da Terra, onde a atmosfera e o campo magnético planetário fornecem uma proteção contra a radiação espacial, os astronautas estão expostos à radiação de alta energia que permeia o cosmos. Isso pode levar a danos no DNA, aumento do risco de câncer, efeitos neurodegenerativos, problemas cardiovasculares e desregulação do sistema imunológico.
A magnetosfera da Terra —a região do espaço dominada pelo campo magnético planetário— fornece alguma proteção para os astronautas em missões em órbita baixa. Mas os astronautas que se aventuram em missões mais distantes, como as lunares ou quem sabe um dia as marcianas, experimentariam doses de radiação muito mais altas.
Quais são os efeitos da microgravidade?
A gravidade desempenha um papel importante na regulação das funções corporais. Sua ausência desencadeia amplas adaptações fisiológicas, de acordo com Beheshti.
Sem gravidade, os fluidos corporais se deslocam para cima, levando ao inchaço facial e ao aumento da pressão intracraniana, o que pode afetar a visão. A falta de carga mecânica nos ossos e músculos associada à atração gravitacional para baixo leva à perda de densidade óssea e à atrofia muscular.
Além disso, o sistema cardiovascular passa por grandes mudanças, incluindo dificuldade em regular a pressão sanguínea ao retornar à Terra. A exposição prolongada a condições de microgravidade também afeta a função vestibular —a capacidade do ouvido interno de detectar movimento e orientação. Isso pode causar problemas de equilíbrio e coordenação.
Como o confinamento afeta o estresse psicológico?
Missões espaciais de longa duração exigem que os astronautas vivam em ambientes confinados e isolados, com interação social limitada e exposição limitada a estímulos naturais. Isso, de acordo com Beheshti, pode levar a estresse psicológico, distúrbios do sono, declínio no desempenho cognitivo e transtornos de humor.
Os efeitos do isolamento prolongado e da convivência em espaços apertados —durante estadias em estações espaciais ou em futuras missões para destinos como Marte— poderiam agravar conflitos interpessoais, impactando ainda mais o bem-estar mental e o desempenho da missão.
O que acontece após astronautas retornarem à Terra?
Como os astronautas se recuperam após retornar à Terra depende em grande parte da duração da missão. Para as de curta duração, ou seja, apenas alguns dias em órbita baixa da Terra, cerca de 95% do dano biológico sofrido parece ser revertido ao retornar.
Para astronautas que passam meses a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), a recuperação parece ser proporcional ao tempo da missão no espaço. Muitos sistemas fisiológicos gradualmente retornam ao normal. Mas alguns problemas persistem. Um exemplo é a síndrome neuro-ocular associada ao voo espacial (sans), ligada ao comprometimento da visão devido a mudanças de fluidos induzidas pela microgravidade e alterações na pressão intracraniana que afetam os olhos. Pesquisas sugerem que a disfunção em mitocôndrias desempenha um papel nessa síndrome. Alguns astronautas experimentam um comprometimento duradouro, o que pode exigir lentes corretivas.
Ainda não há respostas a questões sobre os efeitos de missões de longa duração no espaço profundo, nas quais os astronautas experimentariam níveis muito mais altos de radiação espacial e microgravidade prolongada. Sem medidas eficazes, a recuperação poderia ser problemática. Pesquisadores estão desenvolvendo ações baseadas em mitocôndrias para tentar mitigar os danos.
O que ainda não se sabe sobre os efeitos de viagens espaciais?
Ainda existem lacunas na compreensão de como um voo espacial impacta a saúde humana. Pouco se sabe, por exemplo, sobre como afeta a função pulmonar. E embora seja sabido que a radiação espacial eleva o risco de câncer, acelera o envelhecimento e induz danos celulares, ainda é mistério por que isso acontece.
Alguns estudos já mostraram que as mitocôndrias desempenham um papel central nos efeitos na saúde induzidos pelo voo espacial. Mas ainda são necessários mais estudos acerca dos mecanismos precisos de adaptação e disfunção mitocondrial no espaço.
Também falta uma compreensão mais abrangente de como a microgravidade, a exposição à radiação e o isolamento impactam a função cognitiva, a saúde mental e a neuroplasticidade —a capacidade do cérebro de mudar e se adaptar— ao longo de longas durações.
É possível ter bebês no espaço?
Uma lacuna significativa de conhecimento é como o voo espacial afeta a reprodução humana e o desenvolvimento fetal, de acordo com Beheshti.
Foram realizados estudos limitados sobre a saúde reprodutiva no espaço, principalmente envolvendo animais como camundongos.
As implicações completas para a fertilidade humana, desenvolvimento embrionário e habitação espacial de longo prazo ainda são desconhecidas. Isso é especialmente importante para os planos de colonização espacial.
O que dizem pesquisas recentes?
Uma pesquisa publicada em 2024 detalhou mudanças no cérebro, coração, músculos, rins e pele, regulação imunológica e níveis de estresse e um impacto na atividade das mitocôndrias entre os membros da tripulação que participaram da missão Inspiration4 (2021), da SpaceX, de três dias —a primeira equipe totalmente civil a orbitar a Terra.
Outro estudo publicado em 2024 mostrou que os astronautas têm mais probabilidade de ter dores de cabeça no espaço do que se sabia anteriormente. Esse trabalho envolveu 24 astronautas que ficaram a bordo da ISS por até 26 semanas. Todos, exceto dois, relataram dores de cabeça.
Um estudo publicado em 2023 descobriu que astronautas que viajaram na ISS ou nos ônibus espaciais da Nasa em missões com duração de pelo menos seis meses tiveram expansão dos ventrículos cerebrais —espaços no meio do cérebro que contêm líquido cefalorraquidiano.
Uma pesquisa publicada em 2022 documentou a perda óssea em 17 astronautas da ISS em missões com duração média de cerca de cinco meses e meio. Um ano após voltarem à Terra, os astronautas apresentaram, em média, uma redução de 2,1% na densidade mineral óssea da tíbia—um dos ossos da perna— e uma redução de 1,3% na resistência óssea. Nove não recuperaram a densidade mineral óssea após o voo espacial.