Mariana de Mesquita
No último dia 27 de março, o médico obstetra Ricardo Herbert Jones e sua esposa, a enfermeira obstetra Neuza Jones, foram condenados a 14 e 11 anos de prisão, respectivamente. Conhecidos carinhosamente como Ric e Zeza em fóruns brasileiros e internacionais, ambos são pioneiros do movimento pela humanização do parto no Brasil —ou, se preferirmos uma definição mais direta: o movimento que denuncia as falhas de um sistema médico mercantilizado e baseado em relações assimétricas de poder.
O motivo da condenação? A morte de um recém-nascido 24 horas após um parto domiciliar, em decorrência de uma pneumonia congênita.
A gestação transcorrera sem intercorrências. O bebê nasceu bem, mas posteriormente apresentou sinais leves de desconforto respiratório, monitorados com atenção pela equipe. Diante da ausência de melhora, optou-se pela transferência ao hospital. Lá, o quadro evoluiu rapidamente para choque séptico, culminando na morte.
Durante o julgamento, ficou comprovado que não houve nexo causal direto entre a assistência prestada durante o parto e a morte do bebê —inclusive foram identificadas falhas relevantes na assistência hospitalar. Mas essas falhas foram solenemente ignoradas pela Justiça.
Como muitos profissionais da área, recebi essa notícia com profunda indignação. Conheci Ric e Zeza em 2004, no meu primeiro dia do curso de formação de doulas. Eu tinha 23 anos e já sentia que havia algo estruturalmente errado na assistência obstétrica brasileira. O parto, por sua natureza transformadora, escancarava as distorções do sistema: intervenções desnecessárias, violações de direitos, negligência.
No setor privado, mulheres aprendem a negociar humilhações em troca de centavos de autonomia, com medo de desafiar a autoridade médica. No público, a desigualdade racial se impõe de forma cruel: é onde vemos vidas de mulheres —em sua maioria, negras— e de seus bebês ceifadas pela negligência.
Hoje, trabalho no Canadá como Registered Midwife, ou parteira registrada. Atuo no sistema público, que, embora imperfeito, respeita o direito da mulher de decidir sobre seu corpo. Aqui, o parto domiciliar é uma opção legítima e segura, respaldada por protocolos, recomendações técnicas e responsabilidade compartilhada com médicos e hospitais. E sim: o sistema paga os profissionais que assistem partos em casa.
Quando me apresento como parteira brasileira, ouço com frequência brincadeiras como: “Mas existe parteira no Brasil?” —tamanha é a descrença no nosso sistema, conhecido por práticas que colocam em risco a saúde de mulheres e bebês em nome da conveniência e do lucro.
O verdadeiro “crime” de Ricardo e Neuza foi ousar desafiar esse sistema. Foram punidos por erguer a voz contra a mercantilização da medicina.
Essa condenação manda um recado inequívoco: “Vejam o que acontece com quem apoia o parto domiciliar”.
É o mesmo sistema que se recusa a reduzir suas taxas de mortalidade materna —90% delas evitáveis e que atingem, majoritariamente, mulheres negras. No Brasil, menos de 0,1% dos partos ocorrem em casa de forma planejada, mesmo com evidências robustas da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrando que, quando planejado e com equipe capacitada, o parto domiciliar é uma opção segura.
Em contrapartida, 60% dos partos são por cesariana. Nos hospitais privados, 90% dos partos são cirurgias abdominais. Apesar da gigantesca discrepância, a preocupação do sistema é punir quem está envolvido nesses 0,1% de partos domiciliares.
Se você quer entender melhor este caso ou obter informações confiáveis sobre parto domiciliar planejado, procure equipes especializadas. E se seu desejo é ter um parto natural hospitalar, busque profissionais com taxas de cesariana abaixo de 20% —embora eu já possa adiantar que será uma missão quase impossível.