Discordar de posição política virou ofensa – 31/03/2025 – Natalia Beauty

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Desde que o ser humano aprendeu a nomear, começou a dividir. O céu virou o oposto da terra. O quente virou inimigo do frio. O amor virou antônimo do ódio. E a gente cresceu acreditando que tudo precisava ter um lado. Como se a existência só fizesse sentido se fosse dual, oposta, combativa. Como se a paz morasse num lugar onde só um lado pode vencer.

Mas a pergunta incômoda é: quem inventou o lado certo? Quem foi o iluminado que determinou que tudo no mundo precisa de um contra? Que só é possível existir se for para anular o outro?

A polarização, hoje tão visível nas redes sociais, nos jantares de família e nas urnas, não nasceu com os algoritmos. Ela é anterior ao wi-fi, anterior à política, anterior à civilização. Está embutida no código da humanidade, desde quando as histórias passaram a ser contadas com heróis e vilões, mocinhos e bandidos, salvadores e condenados.

Só que a polarização do passado criava mitos. A de agora cria monstros reais.

Vivemos tempos em que discordar virou ofensa. Em que opinar virou ameaça. Em que pensar diferente é sinônimo de pensar errado. E isso vale para tudo: política, religião, ciência, futebol, maternidade, vacinação, alimentação, astrologia, inteligência artificial e até cabelo. Se você escolheu um lado, parabéns. Agora você tem a obrigação de odiar o outro.

Mas quem foi que disse que só existe lado A ou B? Quem determinou que é proibido refletir no meio do caminho? Quando foi que o cinza passou a ser covardia e o equilíbrio virou omissão?

A polarização anestesia. Ela não pede que você pense, ela exige que você reaja. E quanto mais rápido, melhor. Porque nesse novo tribunal digital, quem pensa demais vira suspeito. Quem muda de ideia, vira traidor.

E enquanto a gente se mata por verdades absolutas, os donos do jogo seguem impunes, rindo da nossa cegueira. A polarização radical não só emburrece, mas também nos transforma em soldados de causas que nem sempre são nossas. E pior: ela nos rouba o essencial de uma sociedade democrática, que é o direito de coexistir com o diferente.

Hoje, brigar por política é mais comum que votar com consciência. Cortar relações virou prova de coerência. Defender o diálogo virou “isentão”. E, no meio disso tudo, a pergunta que ninguém quer fazer: e se o outro não estiver totalmente errado? E se você não estiver totalmente certo?

A polarização traz prejuízos reais. Ela rompe laços, desumaniza, violenta. Nos transforma em torcedores cegos, incapazes de reconhecer mérito em quem pensa diferente. Ela nos treina para odiar primeiro e entender depois (se sobrar tempo, claro!). E, quase sempre, não sobra.

Mas é claro que ela também seduz. A sensação de pertencimento, de tribo, de identidade é viciante. Estar de um lado é confortável. É mais fácil ter respostas prontas do que lidar com dúvidas legítimas. O problema é que esse conforto cobra caro: a sua liberdade de pensar por conta própria.

Não se trata de eliminar o conflito, pois ele é parte do crescimento humano. Se trata de parar de transformar todo conflito em guerra. Se trata de parar de querer vencer todas as conversas. Porque, no fim, ninguém vence quando todo mundo perde a escuta.

Somos mais complexos do que hashtags e mais profundos do que slogans. E a sociedade que queremos não vai nascer de quem grita mais alto, mas de quem aprende a escutar sem precisar concordar. O respeito à diferença é o único caminho viável para qualquer futuro que se queira justo.

A democracia morre onde o pensamento único é celebrado. Onde o contraditório é ridicularizado. Onde o diálogo é substituído por ataques. Onde a empatia dá lugar ao ódio. Onde ninguém mais se pergunta: por que estou lutando mesmo? E por que preciso que o outro perca para eu vencer?

A humanidade não é feita de dois lados. É feita de bilhões de nuances. E talvez a verdadeira revolução seja essa: parar de tentar vencer discussões e começar a construir pontes.

Porque no fim das contas, a única coisa pior que estar errado… é achar que só você está certo.


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