Com as adversidades impostas por três anos de guerra na Ucrânia e, agora, pela desconfiança em Donald Trump no campo na defesa transatlântica, os 27 países integrantes da União Europeia chegaram a um consenso sobre seu rearmamento —mesmo às custas, inevitavelmente, do rigor nas contas públicas nacionais.
O programa de dispêndio adicional de 800 bilhões de euros para revigorar as forças de defesa do bloco, aprovado na quinta (6), consolida a visão de um continente desassistido por seu aliado histórico durante o conflito latente com uma Rússia suficientemente armada para lançar-se a oeste das fronteiras ucranianas.
Em suma, a Europa está diante de um “desafio existencial”, como ressaltou o comunicado final da reunião dos líderes em Bruxelas.
Alemanha e Polônia já anteciparam planos de expansão de gastos militares, enquanto o presidente francês Emmanuel Macron reiterou que está no horizonte europeu o uso da dissuasão nuclear contra a Rússia, maior potência atômica do planeta.
As circunstâncias, de fato, levam a UE a não se contentar apenas com o compromisso de ajuda mútua entre os parceiros da Otan e a reforçar indústria e arsenal bélicos. Sobretudo, pesam a retórica e as ações insensatas de Trump, como o alinhamento a Vladimir Putin, que minam a confiança nos Estados Unidos.
Não por acaso, o mesmo comunicado dos chefes de Estado do continente rejeita de modo enfático o acordo de paz pleiteado por Washington, cujos termos se mostram muito mais favoráveis a Moscou e omissos sobre as garantias de segurança para a Ucrânia e o restante da Europa.
No mesmo sentido, ao anunciar a ajuda de 30,6 bilhões de euros à Ucrânia neste ano, o texto confronta a medida de Trump que bloqueou os recursos a Kiev —instituída logo após sua recente emboscada a Volodimir Zelenski no Salão Oval da Casa Branca.
A seara diplomática está nebulosa. O diálogo das potências europeias com Washington e Moscou vê-se debilitado. Restam poucas razões para a UE apostar na paz em curto ou médio prazo, e nenhuma para crer no autocrata russo, que ordenou ataque massivo à Ucrânia horas após a divulgação do documento europeu.
Escaldada por duas guerras mundiais em seu território, a Europa ingressa numa corrida armamentista que, a rigor, deveria ser lamentada, por sua origem na infame agressão da Rússia à Ucrânia e pelos desatinos de um presidente americano que avilta o papel histórico dos EUA na segurança do continente.