Marcas em parentes de tatus resultaram de duelos – 30/03/2025 – Ciência

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Reinaldo José Lopes

Os fósseis de gliptodontes, parentes extintos dos tatus que muitas vezes tinham forma corporal e tamanho similares aos de um Fusca, às vezes têm marcas de amassamento em seus cascos redondos, e um novo estudo mostra o porquê disso. As lesões muito provavelmente eram causadas pela cauda de outros gliptodontes, como se alguém desse marretadas na lataria de um carro.

“Nessa comparação, podemos considerar que o tipo de impacto foi causado por uma marreta que não é redonda, mas também não é afiada –ficaria no meio-termo”, diz o primeiro autor da pesquisa, Fábio Cunha Guimarães de Lima, ligado ao programa de pós-graduação em geociências da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). É um golpe que pode perfurar, mas o mais comum é que ele cause um amassado. Ou então ele pode encostar e sair rasgando [o casco].”

Lima e seus coautores Ana Maria Ribeiro (também da UFRGS) e Kleberson Porpino (da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte) acabam de publicar sua análise das lesões na revista científica Journal of Mammalian Evolution. “Nosso trabalho é o mais completo até agora a demonstrar esse tipo de comportamento entre os gliptodontes”, diz o pesquisador.

Até o fim da Era do Gelo, há pouco mais de 10 mil anos, os gliptodontes podiam ser encontrados por toda a América do Sul, seu subcontinente de origem, e também nas Américas Central e do Norte, para onde se espalharam depois que uma ponte de terra formou o continente que conhecemos hoje. Havia diversas espécies nas áreas de vegetação aberta do Brasil pré-histórico, com fósseis encontrados desde o século 19. Os maiores animais do grupo chegavam a pesar 2 toneladas e medir 1,5 m de altura.

Assim como acontece com seus primos sobreviventes, os tatus, a armadura dos gliptodontes era formada por osteodermos (estruturas ósseas na pele). Além da carapaça dorsal cobrindo a maior parte do corpo, havia um escudo cefálico de osteodermos, protegendo a cabeça, e anéis que recobriam a cauda, cuja ponta às vezes terminava num tubo rígido formado pela fusão completa dessas unidades ósseas.

É claro que esse sistema sofisticado de proteção, junto com o próprio tamanho dos bichos, deve ter sido bastante útil para evitar que predadores os devorassem. Mas também já estava claro que, além das defesas, os gliptodontes podiam contar com sistemas de ataque.

Acontece que a estrutura das caudas de diversas espécies indica que, nelas, havia a inserção de grandes espinhos feitos de queratina –ou seja, com a mesma composição básica de unhas, cabelos e outros anexos da pele.

“Pode-se levar em consideração o que é observado em mamíferos recentes, como os chifres córneos, que têm base óssea”, compara Lima. “Os próprios osteodermos dos gliptodontes, como nos tatus, provavelmente tinham uma cobertura córnea. Se o tubo caudal era formado pela fusão de osteodermos, podemos imaginar esses espinhos evoluindo a partir da cobertura córnea compartilhada.”

Examinando uma série de fósseis que fazem parte das coleções de museus no Brasil e na Argentina, o trio de pesquisadores identificou lesões compatíveis com golpes de cauda nas carapaças e/ou nos próprios rabos de quatro gêneros (o grupo um pouco mais abrangente que a espécie) de gliptodontes. Eram animais dos gêneros Panochthus, Hoplophorus, Glyptodon (que empresta seu nome ao grupo como um todo) e Propalaehoplophorus. O caso desse último é particularmente interessante porque se trata de um gênero bem mais antigo que os demais, que são da Era do Gelo –ele viveu há cerca de 15 milhões de anos e ainda media apenas 50 cm de altura.

Algumas das marcas de combate se parecem muito, de fato, com a lataria amassada de um Fusca, enquanto em outras há furos que não chegam a atravessar totalmente a carapaça ou, no caso de uma das caudas, um buraco que vaza o rabo de fora a fora.

As pancadas, em vários exemplos, fizeram os osteodermos perderam sua decoração característica ou provocaram a formação de um calo ósseo –algo que também acontece em fraturas de uma perna ou de um braço, com a concentração de células com a função de reparar a região fraturada. Esses e outros detalhes, aliás, mostram que a quebra da carapaça aconteceu ainda em vida e não é resultado da escavação dos fósseis, por exemplo.

Os pesquisadores também descartaram, pela forma dos ferimentos, a participação de predadores como grandes carnívoros (dentes-de-sabre, ursos e outros) ou do próprio homem. É que há alguns registros de seres humanos caçando gliptodontes, e, nesses casos, os membros da nossa espécie costumavam ferir a parte da cabeça dos bichos que não era protegida pelo escudo cefálico –praticamente o único ponto vulnerável deles.

A principal hipótese dos pesquisadores é que os combates usando a cauda eram disputas territoriais ou por parceiras entre machos, algo que, de uma forma ou de outra, aparece em várias espécies de mamíferos e outros vertebrados de grande porte, inclusive dinossauros.

No entanto, ainda não se sabe, por exemplo, se havia diferenças entre os sexos na estrutura da cauda e dos espinhos caudais, algo que é mais difícil de se investigar.



Leia Mais: Folha

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