Mudança climática: o elefante esquecido no armário trumpiano – 22/03/2025 – Opinião

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George Martine

Vivemos tempos complicados, talvez os mais ameaçadores desde a Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto, um novo Dom Quixote, apoiado por um Sancho Pança high-tech, está promovendo turbulências políticas, econômicas e culturais de envergadura global.

As iniciativas autoritárias em prol de poder político e nacionalista de Donald Trump, e do enriquecimento do seu escudeiro, estão desmontando alianças históricas, derrubando normas críticas que vinham sustentando uma tênue paz mundial e balançando os alicerces de um multilateralismo já enfraquecido pelos efeitos da globalização desigual.

A cada dia, nossa atenção está sendo forçosamente focada nas inovações conflituosas desses intrépidos justiceiros. Não há realidade objetiva que não possa ser transformada em alimento para uma cruzada em favor do engrandecimento nacional e pessoal. A promessa de fazer os EUA voltarem à sua suposta grandeza perdida através de cobranças a países amigos e inimigos está criando um pandemônio internacional, além de provocar tremores sérios na própria economia americana.

A eliminação de setores e atores estratégicos na administração pública e na justiça, além do desmonte de iniciativas civilizatórias como as políticas de DEI (diversidade, igualdade e inclusão) constituem um retrocesso preocupante nos direitos humanos. A jihad contra a imigração e os imigrantes é mera demagogia xenofóbica e racista, tendo em vista os efeitos nocivos que essa política já está causando nos setores de agricultura, saúde, serviços e até nas taxas de reprodução da população. Iniciativas visando lucrar pela desgraça dos outros se multiplicam, seja culpando a Ucrânia pela guerra que a aniquila ou cobrando recompensa em minerais valiosos para intermediar a paz no país europeu com o amigo Vladimir Putin —ou no desvario de transformar Gaza numa propriedade imobiliária; ou, ainda, na identificação das crescentes manifestações de protesto como obra de extremistas.

Entretanto, por incrível que possa parecer, todas essas desavenças empalidecem se comparadas à relegação da mudança climática ao esquecimento total na atual conjuntura. O ataque simultâneo a uma rede ampla de moinhos reais ou imaginários nos fez esquecer que existe uma outra ameaça ainda maior —as mudanças climáticas. Calamidades climáticas cada vez mais frequentes e intensas estão tendo custos econômicos, políticos e sociais imensuráveis. Os estudos recentes mais confiáveis estimam que temos pouco tempo para promover iniciativas estruturais globais eficazes; no ritmo atual, a temperatura da Terra deve ultrapassar o aumento perigoso de 2ºC em menos de duas décadas.

Apesar de constituir a maior ameaça já conhecida por nossa civilização, as mudanças climáticas são completamente ignoradas nas decisões sobre a Ucrânia, nas discussões sobre tarifas, no rearmamento dos países europeus ou nas eternas crises do Oriente Médio. pesar da imponência das graves ameaças climáticas à nossa civilização, elas desaparecem de vista na penumbra de preocupações hodiernas.

As nações priorizam soluções de curto prazo em detrimento da sustentabilidade a longo prazo. O conflito na Ucrânia deslocou o foco para a segurança energética e a estratégia militar. Nem sequer as surgentes alianças europeias voltadas para enfrentar o poderio russo fazem menção honrosa à questão ambiental.

Para turbinar ainda mais as consequências desse descaso monstruoso, o governo Trump promove políticas explícitas frontalmente contrárias às preocupações ambientais. Seu governo prioriza a produção de combustíveis fósseis (“drill, baby, drill”) e o crescimento econômico em detrimento da ação climática; retirou novamente os Estados Unidos do Acordo de Paris e desmantelou diversas proteções ambientais essenciais que visavam reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Ou seja, o descaso a mais grave de todas as questões já enfrentadas por nossa civilização está sendo multiplicado pelo ataque frontal às mínimas providências que poderiam ajudar a contornar uma tragédia global anunciada.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.



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