O cerco sobre Haddad | VEJA

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Thomas Traumann

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está sendo rifado abertamente pelos seus colegas. No domingo (16), em reunião convocada pelo presidente Lula da Silva na Granja do Torto para discutir a crise de popularidade do governo, pelo menos dois ministros – Rui Costa e Alexandre Silveira – centraram seus ataques em Haddad, que estava em missão oficial na Arábia Saudita. Tanto Rui Costa quanto Silveira reforçaram a Lula que as duas medidas que mais desgastaram o governo partiram de ações do Ministério da Fazenda, a taxação das importações chinesas e o boato da taxação do Pix. Na sexta-feira (21), a confusão pela suspensão do crédito da safra por falta de votação do Orçamento também caiu na conta de Haddad.

Além de Lula, Costa e Silveira, participaram da reunião no Torto os ministros Sidônio Palmeira (Comunicação), Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Camilo Santana (Educação), a presidente do PT e futura ministra Gleisi Hoffmann e o líder do governo no Senado, Jacques Wagner. Na terça-feira (18), as repórteres Andréia Sadi e Julia Duailibi, da Globonews, revelaram bastidores da reunião.

Marcada dois dias depois de o Datafolha ter revelado o pior índice de ótimo/bom de Lula em seus três mandatos, a reunião começou com uma apresentação de Sidônio. Ele mostrou pesquisas qualitativas indicando quatro causas para a queda: a alta dos preços dos alimentos, a crise do Pix e das compras chinesas e a falta de marcas do governo.

As pesquisas mostram que desde dezembro vem crescendo a desaprovação ao governo no núcleo duro dos eleitores lulistas: os mais pobres, as mulheres, os eleitores do Nordeste, os católicos e os que se declaram pretos.

O diagnóstico de Sidônio foi otimista e concluía a que popularidade retomará com as mudanças que ele está promovendo na comunicação, mas Rui Costa e Alexandre Silveira aproveitaram a oportunidade para atacar Haddad. Jacques Wagner foi o único a defender o ministro da Fazenda.

Em certo momento, Silveira chegou a sugerir a substituição de Haddad pelo presidente da Fiesp, Josué Gomes. O diagnóstico de Silveira é que a insistência de Haddad em cumprir o arcabouço fiscal pode levar o governo à derrota em 2026. Lula não deu sinais de estar convencido disso.

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Não há indicações de que Lula pretenda substituir Haddad, nem de que o ministro pretenda pedir para sair, mas o fato de o presidente não ter reagido contra o ataque é um sinal grave. Desde o anúncio do pacote fiscal em novembro, na dúvida Lula sempre tem pendido para Rui Costa e seu protegido Sidônio Palmeira.

A provável nomeação de Gleisi Hoffmann para a Secretaria Geral e a substituição de Alexandre Padilha da Secretaria de Relações Institucionais apontam para que num futuro próximo todos os ministros do Palácio do Planalto, aqueles que naturalmente tem mais acesso ao presidente, são resistentes a Haddad.

É um cenário pior para Haddad do que outros embates internos, como quando no início do governo Gleisi Hoffmann chamou a política fiscal de “austericídio” ou quando Lula descartou o déficit zero. Naqueles momentos, Haddad tinha apoio do mercado financeiro e do establishment empresarial que o tornava essencial para o governo. Essa relação se perdeu depois do desapontamento com o pacote fiscal de novembro.

Na quinta-feira (20), Rui Costa explicitou em entrevista ao portal Metrópoles a tese de que a aprovação do governo caiu por responsabilidade do Ministério da Fazenda:

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Pergunta – Fala-se muito que algumas medidas do Ministério da Fazenda e, também da comunicação, algumas faltas de medidas da comunicação contribuem aí para o mau desempenho do governo nas pesquisas. O senhor concorda com isso?

Rui Costa – “Não se trata de ‘muita gente fala’. Isso é pesquisa. A imprensa divulgou. Estão lá os dados”.

Pergunta – Quais foram os episódios? Acho que é aquela da taxa da blusa do Pix?

RC- “As pesquisas públicas que todos conhecem, que a imprensa divulgou, sinalizam a questão da taxa daqueles aplicativos das plataformas de venda (as compras chinesas). Isso está muito latente nas pesquisas que foram divulgadas. A questão do fake news do Pix afetou fortemente. Criou um ambiente de desconfiança. (…) Nós fomos vítimas de muitas fake news. E a mais forte, vamos dizer assim, foi essa do Pix. As pesquisas relatam que isso impactou a confiança no governo”.

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Para comparar: na quarta-feira (19), Lula recebeu o empresário Walfrido Mares Guia, o senador Jaques Wagner e o ministro da Defesa, José Múcio. Os três foram chefes da Secretaria de Relações Institucionais nos governos Lula 1 e 2 e tem relação de amizade com o presidente. No diagnóstico do trio, o problema do governo não é Haddad, mas Rui Costa. A reação do presidente foi de uma defesa vigorosa do seu chefe da Casa Civil.

O ataque a Haddad coincide com a reforma ministerial e a preparação da campanha da reeleição. A pesquisa encomendada pela Secom mostrou que a maior parte da população não consegue citar uma única medida do governo e que apenas as marcas antigas, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, são conhecidas.

Na sua apresentação, Sidônio defendeu que a marca do governo Lula 3 deveria sair da Saúde, a área onde seria mais fácil se comparar positivamente com o desastre da gestão Bolsonaro na pandemia de Covid. Sidônio enxerga potencial eleitoral no recém-criado programa que oferece acesso mais rápido a médicos especialistas no Sistema Único de Saúde, reduzindo filas para cirurgias e tratamentos. O programa tem o nome burocrático de Programa Mais Acesso a Especialistas (PMAE) e a falta de publicidade em torno dele decretou na reunião de domingo a iminente demissão da atual ministra Nísia Trindade. Rui Costa quer indicar para o cargo o ex-ministro Arthur Chioro e assim impedir que ele seja ocupado por Alexandre Padilha, o ministro mais próximo de Haddad.

A guerrilha contra Haddad vai continuar. Na sexta-feira, a assessoria do Palácio do Planalto responsabilizou o Ministério da Fazenda pelo conflito de informações na suspensão de novas contratações de financiamentos do Plano Safra. Como o orçamento de 2025 ainda não foi votado pelo congresso, a Secretaria do Tesouro Nacional suspendeu os financiamentos para não cometer uma pedalada fiscal. Foi uma manobra semelhante que rendeu o pretexto para o impeachment de Dilma Rousseff.

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No entendimento dos assessores presidenciais, o Ministério da Fazenda tomou a decisão de forma burocrática, comunicando por ofício a suspensão aos bancos que operam as linhas de crédito. Seria a mesma falta de sensibilidade política das cobranças das compras chinesas e da ampliação da fiscalização do Pix. Com o episódio ganhando vulto, Haddad anunciou na sexta-feira primeiro uma consulta ao Tribunal de Contas da União e, depois de uma conversa com Lula, a edição de uma medida provisória prevendo R$ 4 bilhões em crédito extraordinário para o Plano Safra deste ano, mas dentro do limite de gastos do arcabouço fiscal.

Haddad está no pior momento do pior emprego do mundo.



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