Desde pequena tenho um poder inconveniente: quebrar coisas que estão ao meu alcance. Durante muito tempo, julguei ser fruto da minha indelicadeza. Sou uma pessoa meio bruta, que abre embalagens, aperta botões e arranca lacres com a força e a ansiedade de quem está salvando a própria vida.
Durante a infância, fui responsável pela ruína de diversos objetos, como aparelhos de som, travessas e até um dos meus molares, que destruí contra uma pipoca crua.
Na adolescência, o meu pai, um aficionado por carros, conseguiu comprar, com muito suor, um dos primeiros importados que chegaram ao Brasil. Com esse Toyota, ele foi me deixar na escola. Antes de abrir, não olhei para trás. Um ônibus que se aproximava a toda velocidade pela via arrancou a porta. Nunca esqueço do meu pai gritando: suma daqui ou te mato. Durante meses, andamos com um plástico cobrindo o buraco, a espera da porta substituta que viajava solitária rumo a aduana brasileira.
Poderiam ter me dado apelidos grandiosos: Devoradora de portas, Giovana Quebra Lata, mas, desde então, preferiram me chamar com a singela alcunha de Preju.
Honrei o apelido, sempre deixando rastros de objetos quebrados por onde passava, e sempre acreditando que tudo se devia ao meu jeito atrapalhado. Até que comecei a fazer ioga.
Ali, em uma posição em que ficamos durante dez respirações de cabeça para baixo, o corpo noventa graus, apoiado apenas nos cotovelos, comecei a observar um certo fenômeno. Quando a minha mente está calma, sem pensar em nada, em estado quase meditativo, eu consigo manter o equilíbrio. Se eu penso em alguma coisa besta, balanço. Se tenho algum pensamento incômodo, caio e me estrebucho.
Passei a perceber que não era só na ioga. Estava lavando louça e, de repente, quebrava um prato. No que pensava? Em um pagamento que eu receberia atrasado naquele mês. Outro dia, derrubei um bolo de aniversário no chão ao ser interceptada pela lembrança de um familiar que não estava mais vivo para cantar conosco o parabéns.
Essa descoberta mudou a percepção que eu tinha sobre mim. Em vez da fatalidade de ser atrapalhada, traço imutável e irreversível, percebi que, na verdade, tenho um poder. Um poderzinho meio nefasto, mas um poder, no sentido de eu facultar sobre ele.
Uri Geller não ganhou dinheiro e fama destruindo colheres? Atenção, senhoras e senhores, com vocês, a internacional Preju! Basta eu mentalizar o preço do ovo que quebro um prato. Donald Trump: um jogo de pratos. Crise climática: uma verdadeira festa grega. Não poderia nem trair o meu marido: ele perceberia a tensão nas nossas taças.
Preferia que a vida tivesse me dado o poder de juntar os cacos, mas não é assim que as coisas funcionam. O poderzinho da mente é esperto. Quer que eu esteja aqui, no agora. Talvez porque estar aqui e agora seja melhor para a minha sobrevivência.
Fico pensando o que teria acontecido com a Preju na lei da selva. Eu estaria caminhando alegremente em direção à saída da caverna. Ao pisar lá fora, a imagem de um Elon Musk de tacape surgiria na minha cabeça e eu avançaria pela savana, sem olhar para o leão que avançava a toda velocidade pela minha via. Crau! Talvez ainda seja melhor ter sido mordida pelo leão da aduana.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.