Onde está a aldeia que deveria criar nossas crianças? – 26/03/2025 – Vidas Atípicas

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Johanna Nublat

É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança.

No caso de uma criança com deficiência, essa aldeia é fator de sobrevivência.

Mas essa aldeia nos falha em todos os momentos. Na ausência do Estado garantindo terapias e escolas inclusivas de verdade (e não apenas para inglês ver). No abandono por parte de muitos pais, familiares, amigos, conhecidos, vizinhos, colegas de trabalho. Na falta de mensagens que perguntem “como eu posso te ajudar?”.

Na pouca empatia do caixa do supermercado. Na falta geral de apoio às mães exaustas e perdidas, que acordam e dormem pensando como podem fazer melhor — e em quem é que pode ajudá-las.

A aldeia também nos falha no coletivo. Nada é mais simbólico disso do que os casos, que se repetem, de crianças autistas vagando sozinhas que acabam mortas em acidentes.

Acabo de ler sobre mais um caso: um menino de 10 anos, autista de nível 3 de suporte (o mais alto), que não se comunicava pela fala, e que saiu de casa vestido de camiseta e cueca, enquanto a mãe foi uns minutos ao banheiro. Segundo os relatos iniciais publicados pela imprensa, ele teria andado por cerca de 1,7 km, teria sido visto perto de uma cracolândia e entrado numa área de mata. Parte da cidade se mobilizou numa busca, mas ele foi encontrado morto horas depois, sem sinais de violência, à beira de um córrego.

Fico imaginando esse garotinho autista — e tantos outros — andando de camiseta e cueca pela rua, talvez balançando as mãos (fazendo flapping), talvez dando saltinhos, correndo e fazendo ecolalias (sons e falas repetitivas), por 1,7 km. Isso dá meia hora? Quarenta minutos? E me pergunto: ninguém vê essas crianças? Ou vê e acha melhor não se meter?

O que eu posso dizer?

Se metam. Sejam a aldeia que cria as nossas crianças. Sejam a aldeia que pergunta se os pais precisam de apoio — e de qual apoio precisam e se precisam dele agora. Sejam a aldeia que está presente, conhece nossos filhos e sabe lidar com eles. Sejam uma sociedade que se importa. Sejam, de fato, uma aldeia.


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