Nunca fui homem de negócios, mas estou disposto a abrir uma exceção. Tudo por causa dos bebês reborn.
Um amigo, com olho para o negócio, me perguntou se queria participar de uma empresa que fizesse esses bonecos hiper-realistas que fazem as delícias de mulheres adultas. Com uma diferença: a empresa teria serviço personalizado —do berço até à cova.
Meditei longamente. É uma ideia com potencial. De que vale ter um boneco recém-nascido quando não é possível vê-lo crescer e prosperar como acontece com seres humanos de carne e osso? Nossa proposta é ter novas versões do mesmo boneco, capazes de acompanhar a inexorável passagem do tempo. Quando o cliente compra um recém-nascido, ele não compra apenas um recém-nascido. Compra uma vida inteira.
Todos os anos, o boneco é substituído por outro ligeiramente mais velho, mas sem nunca perder os traços físicos e até a personalidade do modelo original.
Se é loiro, continua loiro. Se tem sardas, continua com sardas. Se houve um pequeno acidente nas brincadeiras do parque, a versão mais velha terá a mesma cicatriz, no mesmo canto do rosto. Amigos e familiares, confrontados com essa evolução, poderão repetir a frase “Meu Deus, ele está tão crescido!” sem ser por gentileza ou caridade.
Haverá surpresas, porém, introduzidas a cada reciclagem: miopia aos 8 anos (óculos); rebeldia aos 15 (piercing); grito do Ipiranga aos 18 (tatuagem); casamento aos 23 (vestido de noiva, terno de noivo); filhos aos 26 (pequenos reborn com os traços da mãe ou do pai, inaugurando assim um novo ciclo para a avó).
O processo só termina com a morte. A empresa garante velório, flores, sepultura e lápide. Isso para ficarmos nas versões “normais”.
Mas nossa empresa não quer ser apenas normal. Haverá coleções específicas para uma clientela cada vez mais exigente.
Mães com gosto pela história poderão escolher um reborn romano (vem com túnica), um reborn medieval (vem com peste bubônica), um reborn jacobino (vem com guilhotina e cabeça destacável).
Se a mãe tem preferência pelas ciências, sem problema. Teremos o reborn newtoniano (vem com maçã de borracha), a reborn Marie Curie (brilha no escuro), o reborn Schrödinger (está vivo e morto ao mesmo tempo).
Ativistas contra o aquecimento global terão um reborn climático, capaz de medir as concentrações de CO2 em qualquer divisão da casa.
Para o pessoal trumpista, que nega as alterações climáticas, o reborn Donald terá uma longa gravata vermelha que não precisará de atualizações. Já vem com o tamanho certo para o resto da vida.
Claro que, por melhores que sejam os reborn, haverá sempre pessoas alegadamente sãs que continuarão com seus preconceitos frente aos bonecos e mães. O que fazer perante esses casos?
Em primeiro lugar, dar um nome ao preconceito: “rebornfobia”. Depois, é preciso promover seminários universitários para combater esse ódio, financiar ativistas, montar ONGs que defendam os bonecos e suas famílias.
Não podemos excluir o lobbying junto ao Legislativo para garantir direitos básicos —educação, saúde, habitação— a esses frágeis e inanimados seres, que não podem se defender por si sós.
Mas que não restem ilusões: as verdadeiras transformações em sociedade não ocorrem apenas por pressão externa. É preciso despertar em cada preconceituoso aquela chama de empatia sem a qual não há progresso verdadeiro.
Nossa empresa, posso já anunciar, terá seminários gratuitos para educar gente ignorante. Na primeira sessão, todos terão direito a um reborn Mirror: um boneco bebê hiper-realista que será o espelho da pessoa que os detesta.
Inscrito nas roupinhas do boneco, uma frase simples e poderosa: “Se ele não é real, você é?”.
Nossa esperança é desencadear uma leve crise existencial, com choro momentâneo, capaz de reconciliar o cético com a maravilha do absurdo.
Na segunda sessão, não ficaremos apenas no passado. Cada participante poderá ver a sua versão futura —na velhice e no caixão.
A lógica é puro Charles Dickens em “Um Conto de Natal”: se você não tem sensibilidade pelos outros, pelo menos tenha sensibilidade por seu triste destino.
Com sorte, cada alma resgatada ficará cliente da empresa. E levará para casa o chamado Ovo Reborn.
Sim, você poderá sempre chocar o ovo, até para estabelecer um vínculo emocional com o feto. Mas não será obrigatório. O ovo estará programado para rachar nove meses depois.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.