A bioética da extinção proposital de espécies – 17/05/2025 – Reinaldo José Lopes

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O sujeito não precisa nem ter estudado latim para desconfiar que há algo de muito errado com um bicho cujo nome científico é Cochliomyia hominivorax. Basta um pouquinho de faro etimológico em português mesmo. É, hominivorax quer dizer exatamente o que você está imaginando: “voraz para devorar humanos”. Dá um frio na barriga, mesmo sabendo que o termo latino foi cunhado para designar larvinhas de mosca.

A C. hominivorax, também conhecida como bicheira-do-novo-mundo, deposita seus ovos nas mucosas ou em machucados de animais de sangue quente. Quando os ovos eclodem, as larvas escavam a carne do hospedeiro e passam a consumir seus tecidos, o que pode desencadear infecção generalizada e morte da vítima.

São raros os casos de bicheiras devoradoras de carne humana nos dias de hoje, mas o inseto ainda é um problema considerável para criadores de animais da América do Sul (já foi erradicada da América do Norte). E se os meios técnicos para simplesmente riscar a espécie do mapa estivessem disponíveis? Você daria sinal verde para a extinção deliberada e irreversível de um animal, no melhor estilo “estou ciente e quero continuar”, como o pessoal diz na internet?

A discussão foi levantada nesta semana por uma equipe interdisciplinar de pesquisadores –especialistas em bioética, ecólogos e biólogos da conservação, entre outros– nas páginas do periódico acadêmico Science. Que critérios deveríamos levar em conta na hora de tomar esse tipo de decisão?

Não que extinções provocadas pelo Homo sapiens sejam uma novidade –muito pelo contrário, infelizmente. Mas as possibilidades discutidas pelo grupo de Gregory Kaebnick, do Centro Hastings de Bioética (EUA), envolvendo o planejamento declarado da extinção de espécies consideradas nocivas por meio da modificação de seu genoma (o conjunto do DNA).

No caso da mosca parasita, os métodos usuais de erradicação envolvem a liberação de insetos esterilizados por radiação em grandes quantidades. Acasalando com os insetos que estão na natureza, eles costumam causar um colapso populacional.

Acontece que certas técnicas de manipulação do genoma poderiam amplificar esse efeito fazendo com que múltiplas gerações da espécie perdessem quase totalmente sua viabilidade reprodutiva. Isso cortaria boa parte dos custos do processo e suprimiria a população a ponto de extingui-la de fato.

Agora, imagine ampliar essa mesma lógica para, digamos, todos os mosquitos capazes de transmitir o micro-organismo causador da malária. Ou para as espécies de ratos e camundongos que hoje são pragas domésticas e que, em ambientes como ilhas do Pacífico, são uma enorme ameaça para espécies de aves endêmicas (que só existem naqueles lugares, e em nenhum outro ponto do planeta). Tá liberado também?

Bem, depende. É preciso considerar se, apesar dos danos causados à saúde e aos interesses humanos, as espécies-alvo têm papel relevante nos ecossistemas em que estão inseridas, por exemplo. E há ainda o risco de as alterações no DNA que impulsionam a extinção “vazarem” para espécies inofensivas por meio de cruzamentos híbridos, mais comuns na natureza do que costumamos imaginar.

Nenhuma tecnologia é mágica, e esse tipo de arma provavelmente será, na prática, menos poderosa do que imaginamos agora. Mas não fará mal algum refletir muito antes de puxar tal gatilho.


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