Alguns dos vinhedos mais bonitos que já visitei na vida tinham uma coisa em comum: eram biodinâmicos. Neles, os corredores de vinhas são como jardins selvagens, cobertos por muitas espécies de plantas, diferentes árvores frutíferas, arbustos, flores, ervas. Há também insetos, abelhas e borboletas. E animais: muitos pássaros e até galinhas, cabras, cavalos. Já são oito anos desde que visitei a Koyle, no Chile, e não a esqueci.
A ideia do biodinamismo é deixar o solo vivo, cheio de energia, transformar a vinha em um ecossistema harmonioso e diverso, algo totalmente diferente da monocultura, tão comum na viticultura mais convencional. Toda a fauna e a flora presentes no sistema biodinâmico se autorregulam e estão em conexão com os astros, que têm efeito sobre as plantas e bichos e pedem a atenção do homem, pois o que acontece no céu indica o que deve ser feito na terra. É o posicionamento das constelações que vai indicar que procedimentos devem ser adotados no campo e na vinificação.
Antes que você ache que me perdi no mundo hippie sem precedentes, um aviso: o célebre vinho Domaine de la Romanée Conti, considerado um dos melhores do mundo, segue todas as regras acima.
O que pega para os mais conservadores é a coisa dos astros, que muitos relacionam à astrologia. “As pessoas veem como uma coisa mística”, diz Deise Pelicioli, uma das principais especialistas no tema no Brasil, enóloga e consultora biodinâmica. “A Lua tem uma força, uma energia que afeta as marés e qualquer pessoa acredita. Agora, quando a gente fala de Marte, de Vênus, fica complexo, é mais distante. A primeira coisa, então, é entender que não é astrologia, é astronomia. É matemático, preciso, exato.”
Pela filosofia biodinâmica, cuja pedra fundamental foi lançada por Rudolf Steiner (1861-1925), fundador da antroposofia, as práticas devem “sanar o meio ambiente” e produzir alimentos “condignos ao ser humano” depois de termos nos “perdido no caminho da industrialização direcionada à monocultura e da criação em massa de animais fora do seu ambiente natural”. Mais que hippie ou místico, isso me parece bastante contemporâneo, se pensarmos nas descobertas mais recentes de pesquisas científicas sobre saúde e meio ambiente.
Voltando ao vinho. Na taça, as bebidas biodinâmicas mostram grande energia (frescor). Os aromas costumam ser intensos e originais. Na boca, textura e personalidade. É raro provar um vinho biodinâmico que não seja agradável.
Mas vale dizer também que são tantos os processos (e produtos) desse tipo de agricultura e utilizados também na vinificação que, se o produtor não fica em cima de tudo, a maionese desanda. E, como sabemos, a atenção aos detalhes e o cuidado de quem produz fazem muita diferença. É o olho do dono, afinal, que engorda o gado —e, no biodinamismo, as vacas são fundamentais ao ceder chifre e esterco para fertilizar a terra. (Mas isso é conversa para outra coluna.)
Vai uma taça?
Importadoras como De la Croix, Wines4U, Mistral e World Wine têm pérolas que merecem exploração. O Expression Rouge 2022 (R$ 143 na De la Croix), da região do Rhône, vai cair bem nesses dias mais frios. Para quem pode gastar mais, a dica é o Domaine des Amiel À Coural 2021 (R$ 199 na Peso da Régua), um dos melhores que provei recentemente.
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