E foi-se Sebastião Salgado, o grandioso artista brasileiro que fotografou a alma dos homens e da natureza. A força poética das imagens registradas por ele dos garimpeiros de Serra Pelada, de indígenas da amazônia, de animais, paisagens e povos nos cantos mais remotos do planeta (para citar alguns de seus mais impactantes projetos), denuncia e apaixona de um jeito que só conseguem aqueles iluminados pela compreensão profunda do significado da vida.
Essa compreensão é possível quando há uma entrega tão profunda quanto. Sebastião contava que, quando esteve nas ilhas Galápagos para o projeto Gênesis, passou horas tentando fotografar uma tartaruga gigante de pertinho, sem sucesso: o animal se desviava dele. Ele se pôs então de cotovelos no chão, face a face com a velhíssima tartaruga, respeitando seu trajeto. E iniciaram ali um diálogo, um entendimento mútuo e uma obra de arte. “Eu pude ter a dignidade da tartaruga”, sintetizou, em uma entrevista.
Suas imagens davam o recado da transformação: “Não podemos ser apenas espectadores da destruição. Precisamos ser agentes de mudança”, pregava. À frente do Instituto Terra, atuava no restauro de florestas e educação ambiental na bacia do rio Doce, sua região natal.
Com seu trabalho de dar visibilidade aos invisíveis, ele nos ajudou a entender que nossos biomas são parte de nossa identidade, a fazer o Brasil se reconhecer na sua abundância de recursos naturais.
Por obra do acaso ou do destino –a depender da crença de cada um—, perdemos o Sebastião no último dia 23, na mesma semana em que o Senado abriu a porteira para desmontar a legislação ambiental, que, de quebra, poderia também facilitar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
Para completar o ciclo de revés ambiental, também nestes últimos dias avançou mais uma casa a autorização, pelo Ibama, para a Petrobras perfurar poços exploratórios na região, com a aprovação do plano de pesquisa marítima para emergências.
A vitória no Senado do projeto de lei que desconstrói um dos arcabouços legais mais reconhecidos internacionalmente na proteção da natureza acontece às vésperas do leilão, em junho, em que a Agência Nacional de Petróleo (ANP) vai ofertar 47 blocos da Bacia da Foz do Amazonas. Acaso ou destino?
No meio de tudo isso, a presidência brasileira da COP30 divulgou sua terceira carta, reafirmando o compromisso firmado em Baku (Azerbaijão), no ano passado, pela transição para longe dos combustíveis fósseis e convocando os países a reforçarem a confiança no multilateralismo. Os dois temas são apontados na carta como prioritários para a pré-COP em Bonn, na Alemanha, também no mês que vem.
Estamos a seis meses da COP em Belém e ainda sem respostas para as contradições entre nossa política externa e interna e para toda essa expectativa que o mundo tem do país. Há um Brasil que quer ser líder global da transição econômica verde e justa e um Brasil para dentro, que não consegue se resolver em como seguir esse caminho.
Pelos olhos de Sebastião Salgado, temos as premissas para o Brasil responder a seus paradoxos. “Nós somos a natureza”, ele dizia. Como aprendeu com a sabedoria ancestral que trouxe das profundezas dos mundos e nos deixou para sempre visível.
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