A tentativa de Trump de restringir voto nos EUA – 06/04/2025 – Lara Mesquita

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Uma das principais marcas das democracias ocidentais contemporâneas é a amplitude do sufrágio. Já não é aceitável restringir o direito de voto com base em escolaridade, renda, propriedade, religião, raça ou gênero. No Brasil, a última barreira foi superada nos anos 1980, durante a redemocratização, com a concessão do direito de voto aos analfabetos.

Muito antes disso, o país já buscava garantir integridade e confiança no processo eleitoral. Para isso, instituiu a Justiça Eleitoral, uma autoridade independente dos Poderes eleitos, responsável por organizar as eleições. Uma de suas primeiras funções foi assumir o controle do cadastro de eleitores, retirando das forças locais o poder de decidir quem estava apto a votar. Com isso, assegurou-se a aplicação neutra dos critérios legais.

Esse modelo, baseado em uma autoridade eleitoral centralizada e independente, é adotado por muitas democracias contemporâneas. Mas não pelos Estados Unidos. Desde a Constituição de 1787, aquele país adota uma lógica federativa profundamente descentralizada —e isso se reflete no modo como organiza suas eleições.

A Constituição americana foi vaga quanto ao direito de voto, delegando sua regulamentação aos estados. Somente na segunda metade do século 19, quase cem anos após sua ratificação, foi aprovada a 15ª Emenda, proibindo restrições ao voto com base em raça, cor ou condição prévia de escravidão. Depois vieram emendas que garantiram o voto às mulheres (1920), proibiram a cobrança de taxa para votar (1964), e reduziram a idade mínima para 18 anos (1971).

Recentemente, na última semana de março, o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva que busca dificultar o registro de eleitores no país —medida que, na prática, pode restringir o exercício do direito de voto. Mais grave: a ordem interfere em uma área tradicionalmente regulada pelos estados e sobre a qual o presidente não tem autoridade direta.

Um dos pontos mais polêmicos é a exigência de comprovação documental de cidadania, com uma lista tão restrita que, segundo Wendy R. Weiser, vice-presidente do Brennan Center for Justice, obrigaria a maioria dos americanos a apresentar passaporte —documento que, segundo pesquisa do mesmo instituto, apenas metade da população possui.

Outro aspecto preocupante é a tentativa de subordinar ao Poder Executivo a Comissão de Assistência Eleitoral (EAC), agência independente e bipartidária criada em 2002 após a crise da recontagem de votos na Flórida. Composta por quatro comissários indicados por ambos os partidos, suas decisões são tomadas por maioria, exigindo necessariamente o apoio dos representantes dos dois partidos.

O decreto também prevê o compartilhamento das listas de eleitores com o Departamento de Eficiência Governamental (Doge), ligado a Elon Musk —medida que suscita preocupações com privacidade e uso político de dados.

Ao buscar impor exigências que restringem o acesso ao voto, Trump ameaça um dos pilares da democracia americana. Se implementada, será a primeira vez que uma decisão federal atua para restringir, e não ampliar, o direito de votar no país —mais um marco preocupante em tempos de incerteza sobre o futuro da democracia nos Estados Unidos.


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