Agente Jair: Bolsonaro diz ser informante dos EUA…

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José Casado

Jair Bolsonaro resolveu mudar de rumo. Virou informante dos Estados Unidos. É o que ele conta.

Às vésperas de completar 70 anos, na próxima sexta-feira dia 21, Bolsonaro, aparentemente, superou a “excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente”, registrada em avaliações do Exército dos anos 1980. Se tornou um dos novos milionários da política brasileira, com patrimônio superior a 14 milhões de reais, como tem repetido.

Suplantou, também, uma parte da ânsia de projeção política. Foi ela que, em 1987, o levou a preparar e entregar à repórter Cassia Maria, de VEJA, o manuscrito de um plano para explosão de bombas em quartéis do Rio, motivo da sua passagem para a reserva, com a patente de capitão (em julgamento no Superior Tribunal Militar, ele negou a autoria, mas laudos periciais do Exército e da Polícia Federal comprovaram a caligrafia.)

Saiu desse episódio transformado num tipo de sindicalista de porta de quartéis militares e policiais do Rio, o que lhe garantiu base eleitoral para a travessia de 28 anos no baixo clero da Câmara dos Deputados. Em 2018 surfou no antipetismo, ganhou a presidência da República. Na era das redes sociais, se tornou um dos dois políticos mais conhecidos — outro é Lula, vindo de uma época anterior, em que a televisão predominava.

No final da semana passada, Bolsonaro indicou seu novo rumo. Inelegível até 2030, por condenação judicial, e à beira de ser julgado no Supremo Tribunal Federal por tentativa – frustrada — de golpe de estado e uma coletânea de crimes contra a Constituição, resolveu apelar à intervenção externa.

Ele acha que “o problema do Brasil não vai ser resolvido internamente, tem que resolver com apoio vindo de fora” — disse em Brasília (o vídeo está na rede).

Agora defende uma ação externa para “resolver” aquilo que define, mas não explica, como “o problema do Brasil”.

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Bolsonaro supõe ter encontrado em acordos recentes com a China uma razão para convencer o governo Donald Trump, de quem se acha aliado, a realizar uma intervenção contra o país em que nasceu, jurou defender e governou: “[Fizeram] 37 acordos com a China. Estão entregando o Brasil para a China! [Foram] 37 acordos assinados no final do ano passado, por ocasião [da reunião dos países] do G-20 aqui no Brasil.”

“Entre eles, um acordo de energia nuclear” — prosseguiu — “material que a Rússia… a China não tem, e vai ter em abundância agora e se aplica pra muita coisa aí. Não é apenas para energia, agricultura e medicina, é [para] construção de bombas atômicas…”

Até aí, tudo poderia ser resumido como delírio de político derrotado nas urnas, inelegível, aflito com a perspectiva de novas condenações judiciais e, eventualmente, de prisão.

Bolsonaro foi além: “Falei isso, já passei pra equipe do Trump isso aí, tá, em primeira mão, lá atrás… Eles têm uma preocupação com o Brasil, de que o Brasil se consolide como uma nova Venezuela. E nós temos que… o problema do Brasil não vai ser resolvido internamente, tem que resolver com apoio vindo de fora.”

Não é todo dia que se vê um político confessar em público que decidiu se tornar agente de informações de outra nação, com o objetivo de provocar uma intervenção externa no próprio país e da qual pretenderia ser beneficiário.

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Mais raro ainda é um ex-presidente, que teve acesso às mais secretas informações durante quatro anos de governo, revelar entusiasmado empenho numa função típica de espionagem a serviço de governo estrangeiro.

Não há evidência de que Brasil e China tenham “assinado” acordos para “construção de bombas atômicas” em novembro passado, no Rio, durante reunião pública de chefes de Estado e de governo de 20 nações — entre elas, o então presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Se Bolsonaro tem prova de algum arranjo secreto, tem obrigação de mostrar em público. Nessa hipótese, haveria um crime grave, porque a Constituição é objetiva: só admite atividades nucleares “para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”. Delinquir nesse tópico, dá impeachment com eventual prisão.

Bolsonaro sabe disso. Ele até esboçou um acerto com o governo Vladimir Putin em atividades nucleares, mas, aparentemente, não ultrapassou “as quatro linhas”, como costuma dizer.

Em meados de 2021, o Itamaraty sondou a Otan sobre a eventual participação brasileira em iniciativas de defesa cibernética. Moscou replicou oferecendo a Brasília um leque de negócios com ênfase na área nuclear.

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Em dezembro daquele ano, Bolsonaro enviou a Moscou o almirante Flávio Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência. Rocha passou semanas em reuniões no Ministério da Defesa da Rússia.

Foi rascunhado um projeto militar ambicioso. Previa, entre outras coisas:

* Cooperação tecnológica integrada no ciclo de enriquecimento de urânio;

* Parceria em sistemas elétricos e de isolamento para o reator do submarino nuclear brasileiro;

* Transferência de tecnologia de centrais nucleares modulares, de pequeno porte;

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* Sociedade na mineração de urânio e de terras raras, sobretudo de elementos críticos (lutécio e actínio) que têm variedade de aplicações;

* Ampliação da produção de isotópicos para medicina.

Do lado russo estaria visível o grupo Rosatom, estatal controlador de três centenas de empresas russas envolvidas na fabricação de armas atômicas, pesquisa e serviços de controle de radiação.

Em fevereiro de 2022, Bolsonaro foi ao Kremlin. Dez dias depois, Putin invadiu a Ucrânia. A aliança extra-Otan nos termos propostos pelo governo Biden nunca saiu do papel, e o acordo combinado com os russos virou poeira na guerra de Putin.

Ao se confessar publicamente como informante da “equipe de Trump”, Bolsonaro se arrisca a eventual denúncia por delitos previstos na lei nº 14.197.

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Ele sabe porque assinou essa lei no 1º de setembro de 2021 com quatro dos seus ministros na época (Anderson Torres, Walter Braga Netto, Damares Alves e Augusto Heleno Pereira).

Nela estão tipificados crimes “contra a soberania nacional” e de “espionagem”.

Num caso, trata da negociação “com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes” com o objetivo de provocar intervenção no país.

Noutro, caracteriza a entrega “a governo estrangeiro, a seus agentes, ou a organização criminosa estrangeira” de documentos ou informações “cuja revelação possa colocar em perigo a preservação da ordem constitucional ou a soberania nacional”.

As penas em situações de “traição à pátria” variam entre 12 e 15 anos de prisão. Podem ser agravadas se o delinquente teve acesso privilegiado a informações por estar em cargo ou função pública.



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