Assustado com o nível de baixaria nos ataques de senadores a Marina Silva? Eu também, mas admito que sou um pouco ambivalente em relação a espetáculos deste jaez. Eles são moralmente degradantes, mas etnograficamente valiosos. Revelam informações importantes sobre atores que deveríamos conhecer.
O senador Omar Aziz (PSD-AM), por exemplo, me enganou por um tempo. Sua atuação em geral correta na CPI da Covid fez com que eu o visse como um político diferenciado para o lado do bem. Seu destempero contra a ministra, porém, me leva a reclassificá-lo. Agora acho que ele não se distingue tanto da massa de parlamentares que coloca interesses paroquiais à frente de todos os outros valores. Para atacar Marina, ele não hesitou em atropelar o cavalheirismo, o decoro e até os fatos.
Por nenhuma lógica conhecida dá para responsabilizar a ministra, que deixara de ocupar a pasta do Meio Ambiente em 2008, pelo não asfaltamento da BR-319 em 2020 —o que teria contribuído para a falta de oxigênio em Manaus em meio à pandemia.
A apoteose da baixaria talvez tenha sido a votação, na Câmara, do impeachment de Dilma Rousseff. Ali, um deputado do baixo clero dedicou seu voto pró-afastamento a um notório torturador do regime militar.
Ao fazê-lo, Jair Bolsonaro confessou a quem quisesse ouvir o que havia de mais essencial a revelar sobre si mesmo, sobre seu caráter e seus valores. Pena que a maioria dos eleitores não soube interpretar essa informação.
Aproveito para fazer uma modesta sugestão de reforma política. Sei que é incomum e até meio chocante, mas acho que o país ganharia se os presidentes da Câmara e do Senado fossem escolhidos não “interna corporis”, mas diretamente pela população.
Esses dois cargos se tornaram tão ou mais importantes que o de presidente da República. A eleição direta ao menos impediria que os chefes do Legislativo fossem a expressão de um arranjo dos interesses corporativistas de parlamentares —os mesmos interesses que orientaram o ataque coordenado contra Marina.
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