Brasileira que criou ONG anti-bullying ganha bolsa Rhodes – 30/04/2025 – Folha Social+

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Flávia Mantovani

Desde adolescente, Luiza Vilanova queria ser voluntária em alguma organização. Sem conseguir uma que a aceitasse por ser menor de idade, ela acabou criando seu próprio projeto social.

Luiza fundou, aos 15 anos, o Gotinhas do Bem, projeto que atua em escolas públicas para prevenir o bullying —um problema do qual ela própria havia sido vítima. “Queria evitar que outras crianças passassem por aquilo”, conta.

Quando ela terminou o ensino médio, a iniciativa já tinha impactado 8.000 estudantes em 15 estados brasileiros e sete países da América Latina e da África.

Criada em Goiânia, em uma família de poucos recursos, a jovem, que hoje tem 23 anos, estudou inglês por vídeos do YouTube e concorreu a bolsas para estudar no exterior. Foi aprovada em 11 faculdades e se formou em educação e ciência política na universidade Columbia, em Nova York, em 2024.

Enquanto cursava graduação, Luiza criou outra organização social, a Tocando em Frente, que busca combater a evasão escolar e preencher o “vácuo inspiracional” em cidades do interior do Brasil. Com a ajuda de 150 voluntários com idade entre 13 e 25 anos, a instituição já impactou 12 mil estudantes.

“Eu tinha acesso à melhor educação imaginável, enquanto muita gente que cresceu comigo não teve chance nem de fazer faculdade. Me sentia culpada. Depois de refletir, entendi que o fato de eu viver entre mundos tão diferentes é meu superpoder, me coloca em um lugar de pensar em soluções”, afirma.

No fim de 2024, Luiza se tornou a primeira brasileira aprovada na concorrida bolsa Rhodes, que já teve ganhadores como o ex-presidente americano Bill Clinton, e financiará seu mestrado na Universidade de Oxford, no Reino Unido, que começa em setembro. Leia o depoimento dela à Folha.

“Acho que essa vontade de ajudar sempre esteve comigo. Quando eu era pequena, não gostava de ir à feira comer espetinho com meus pais, porque tinha muito cachorro de rua. Eu dava meu espetinho para os cachorrinhos, ficava mal o dia todo pensando neles.

Além disso, sempre tive bons exemplos dentro de casa. Uma vez, eu estava numa fila com meu pai para comer açaí e o cartão da pessoa na nossa frente não passou. A gente só tinha dinheiro para pagar um, e ele pagou o da moça porque ficou com dó. Fiquei sem meu açaí, mas sempre me lembro disso como uma mostra de que mesmo quando a gente não tem dinheiro, dá para fazer pelas outras pessoas.

Quando eu era adolescente, quis ajudar em algum projeto social, mas nenhum aceitava menores de idade como voluntários. Acabei criando o meu.

Sofri bullying quando tinha 11 e 12 anos. Eu era bolsista em uma escola particular, novata e nerd, sofria agressões físicas —empurrões, arranhões— e psicológicas. Foi muito difícil, mas fiz terapia com uma psicóloga voluntária da minha igreja e percebi que o problema não estava comigo.

Queria evitar que outras crianças passassem por aquilo. Aos 15 anos, reuni alguns amigos e criei o Gotinhas do Bem para atacar as causas-raízes do bullying, ensinando habilidades socioemocionais em escolas públicas.

Eu era cara de pau, batia na porta das escolas e falava: “Oi, eu tenho uma ideia e queria implementar essa ideia aqui, o que acha?”. Até que uma escola na periferia de Goiânia aceitou.

Trabalhávamos com atividades ‘gamificadas’, tipo caça ao tesouro pirata, para engajá-los e desenvolver as habilidades socioemocionais na prática. Buscamos a consultoria de especialistas, para garantir a parte teórica por trás das dinâmicas. Em um ano, tivemos resultados muito bons.

Participei de um programa de liderança e descobri que podia expandir. Entendemos que o jovem é a principal inspiração para as crianças, e treinamos vários deles para implementar nosso currículo em suas comunidades.

Vi que queria trabalhar com educação para sempre. Queria estudar fora, mas, como venho de uma família humilde, não tinha como bancar as aplicações. Tive o apoio de fundações, que financiaram minha candidatura. Eu não falava inglês, aprendi o idioma no YouTube. Foi uma loucura.

Meus primeiros anos em Columbia foram cheios de altos e baixos. Eu me via muito diferente de todo mundo. Tinha acesso à melhor educação imaginável, enquanto muita gente que cresceu comigo não estava nem na faculdade porque não teve essa chance. Eu me sentia culpada de estar ali.

Depois de refletir e conversar com muita gente, cheguei na resposta de que eu tinha tido uma mistura de oportunidades com inspiração. Entendi que o fato de eu viver entre mundos tão diferentes é meu superpoder, me coloca em um lugar privilegiado de pensar em soluções e conectar gente que normalmente não conversaria.

Aí nasceu o Tocando em Frente, que lidero hoje. Queremos acabar com a evasão escolar e focamos em intervenções para tornar a escola mais atrativa. Temos um time de 150 voluntários, espalhados pelo interior do Brasil. São criadores de mudança.

A gente subestima a juventude. Existe o estereótipo de que o jovem está no TikTok o tempo todo. Sim, tenho um time de marketing com jovens que fazem TikTok, mas são vídeos mostrando o dia de um diretor regional numa escola, por exemplo.

A gente subestima a juventude. Existe o estereótipo de que o jovem está no TikTok o tempo inteiro. Sim, tenho um time de marketing com jovens que fazem TikTok, mas são vídeos mostrando o dia de um diretor regional numa escola, por exemplo.

Fizemos um hackathon para reunir ideias de combate à evasão escolar. Em pleno sábado à tarde, estava lotado de jovens fazendo perguntas, engajando, escutando secretário de educação falar.

Tem uma história que foi marcante para mim. Em 2023, fomos a uma comunidade quilombola em Goiás selecionar voluntários no ensino médio. Das dez meninas da sala, cinco estavam grávidas ou com bebê de colo.

No ano seguinte, avaliando novas inscrições, uma delas era de uma dessas meninas. Ela contou que ia sair da escola, mas ouviu a gente e decidiu ficar.

Hoje, ela arrasa como nossa diretora regional na comunidade dela, terminou o ensino médio e está pensando em fazer faculdade. Isso é mágico. Inspiração faz toda a diferença. Fez toda a diferença para mim.”



Leia Mais: Folha

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