Teté Ribeiro
“No dia em que fui receber o Prêmio Folha por ‘A Mulher da Casa Abandonada’, uma colega me puxou num canto e falou: ‘tenho uma história para você e tem que ser para você’. E me deu um número de telefone e o nome de uma pessoa”, diz Chico Felitti, sobre como a trama de seu novo podcast, “O Síndico”, chegou até ele.
Filho de uma ex-síndica, Felitti passou a vida ouvindo histórias malucas de prédios. Entrevistada no primeiro episódio da nova série, Isabel Dias, a mãe do jornalista, conta que uma vez teve que fazer uma investigação longuíssima com câmeras de segurança para descobrir qual dos moradores pegava o cocô dos cachorros e jogava pela janela.
“Mas esta história é muito mais surreal”, afirma o jornalista. E um alerta de spoiler: “Eles elegeram um síndico que dizia que era rico, tinha 17 apartamentos de investimento no prédio e morava em um deles. Após um ano da gestão, começam a desconfiar que o prédio estava meio abandonado e descobrem que o sujeito nunca teve apartamento nenhum, não morava no prédio nem o nome dele era o nome dele de verdade.”
E só piora. Mas aí só ouvindo para saber. São quatro episódios, e a trama vai escalando até chegar a um desfecho que nem o Gilberto Braga no auge de sua criatividade teria imaginado.
O programa estreia na Folha nesta quarta-feira (23), com um novo episódio a cada semana. Mas quem apoiar a página de Felitti no Patreon, com uma assinatura de R$ 12,50 mensais, já pode ouvir todos os quatro episódios.
“Nunca sei o que vai dar certo antes de ser lançado. Faço meu trabalho pensando muito em mim como ouvinte de podcasts, mas tenho a impressão de que esse é um tema muito universal, apesar de 100% brasileiro”, diz Felitti. “A gente ama treta de condomínio. Você fala com qualquer estrangeiro, e eles não entendem, porque não têm uma coisa parecida. É tipo um bonsai de Brasil.”
Um sucesso que pegou Felitti de surpresa foi o do podcast “Don’t Cross Kat”, que ele lançou sem muito alarde há três semanas, pela Wondery, produtora americana lançada em 2016 e comprada pela Amazon em 2020. Logo na primeira semana de lançamento, o primeiro podcast em inglês de Felitti chegou ao quinto lugar na lista de mais ouvidos nos Estados Unidos, um feito inédito para um brasileiro.
“Don’t Cross Kat” é uma nova adaptação do caso da influencer Kat Torres, que o jornalista contou primeiro no podcast “A Coach”, de 2023. Torres morava nos Estados Unidos e foi condenada e presa no Brasil por tráfico humano, depois de submeter uma assistente a trabalho análogo à escravidão, em julho do ano passado.
Para o mercado americano, Felitti, que narra o podcast em inglês, passou um ano refazendo o trajeto da influencer brasileira e contou a história com foco no relacionamento de duas amigas, até que uma delas desaparece.
“Eu não era a primeira opção dos chefes da Wondery para narrar o meu próprio podcast, mas insisti e eles toparam, com a condição de que eu fizesse aulas de teatro para melhorar minha locução”, diz. Ainda incrédulo, ele lembra que teve de fazer um exercício em que mentalizava ser uma árvore, com raízes profundas que furam o chão e galhos imensos que abrem em cima.
Se melhorou a locução? “Não acho. Fiz tudo exatamente como sempre fiz. Me pediram para ler o texto em pé, não consigo fazer isso. Li sentado, que nem sempre, e pelo jeito deu certo.”
No segundo semestre, ele vai ver mais um desdobramento de um podcast de sucesso de sua autoria chegar, desta vez, à TV. “A Mulher da Casa Abandonada”, de 2022, também feito em parceria com a Folha, vai ser o ponto de partida de uma série documental na Amazon Prime Video, dirigida por Kátia Lund, que assinou “Cidade de Deus“, de 2002, com Fernando Meirelles.
“Nessa história eu entro como entrevistado, não tenho mais nada a ver com a produção”, diz Felitti, que, como o resto do Brasil, viu o podcast virar um fenômeno de público e crítica, depois acompanhou a opinião pública se voltar contra a história. Agora, quase três anos depois, na prática nada mudou.
Margarida Bonetti, a mulher condenada nos Estados Unidos por trabalho escravo e foragida numa mansão da família caindo aos pedaços em Higienópolis, no centro de São Paulo, continua lá, cobrindo a cara com uma pomada branca para sair na rua e se dizendo inocente. O crime prescreveu, e não há mais nada que a lei possa fazer para que ela seja punida.
“Eu gosto muito dessa zona cinza, em que os crimes e as punições não são óbvias”, diz Felitti. “Faço esses podcasts sem a menor intenção de consertar o passado, e sim de refletir sobre o futuro. A gente não tem como mudar o que já foi, mas não precisa deixar os mesmos erros acontecerem de novo.”
Entre um podcast e outro, Felitti também escreve livros e cria programas de TV. Os dois últimos, para a Globo, foram os especiais da apresentadora Angélica, primeiro a série de entrevistas “Angélica: 50 e Tanto”, depois o spin-off “Angélica: 50 e Uns”, ambos do Globoplay.
“Estou fazendo um documentário agora, mas sobre isso não posso falar nada sob pena de uma multa altíssima”, diz ele, que nega que o audiovisual tenha roubado o lugar dos podcasts no seu coração. “Eu amo podcasts, acho a melhor maneira de contar uma história, e posso fazer sem muito equipamento, sem muita produção, de um jeito mais livre”, diz.
Fazer um bom podcast, no entanto, não é simples. Também não tem receita. Mas Felitti aprendeu uma ou duas coisas pelo caminho.
“Tem que ser ágil e dinâmico. Se eu ficar cinco minutos descrevendo uma cadeira, na quinta palavra a pessoa já desistiu, então tem que ser o mínimo possível da minha voz. O narrador não pode ficar no caminho da história”, diz. “O trabalho é encontrar as vozes de quem realmente conta aquela trama da melhor maneira e juntar tudo de um jeito que fique gostoso, mesmo que seja terrível.”