Um papiro carbonizado pela erupção do vulcão Vesúvio, há quase 2.000 anos, ganhou um autor: Filodemo de Gádara (110 a.C. – 35 a.C.). É dele o texto com título “Sobre/Dos Vícios”, decifrado por dois grupos de pesquisa com auxílio de IA (inteligência artificial).
Por terem conseguido ler o título, os pesquisadores receberão US$ 60 mil (R$ 344 mil), como parte do Vesuvius Challenge ou Desafio Vesúvio. O desafio foi criado por empreendedores da área de tecnologia e tem o objetivo de decifrar o que estava escrito nos papiros da época do Império Romano que foram vitimados pela erupção do vulcão que destruiu Pompeia.
Outros trabalhos sobre o pergaminho permitem, porém, saber que o título completo seria algo como “Dos Vícios e suas Virtudes Opostas: em quem se manifestam e sobre o que versam”.
O desafio era grande, afinal, trata-se de um pergaminho que estava enrolado e carbonizado, tornando-se um material delicadíssimo.
Esta é a primeira vez que o título de um pergaminho de Herculano ainda enrolado foi recuperado de forma não invasiva.
Herculano, no caso, é uma cidade vizinha de Pompeia que também foi destruída pela erupção do Vesúvio, no ano 79 d.C..
Sean Johnson e Marcel Roth fazem parte de um dos dois grupos que conseguiram, de modo independente e ao mesmo tempo, decifrar o título do pergaminho. O outro é a equipe de Micha Nowak, que também conseguiu melhorar métodos de detecção de tinta para refinar os textos nos documentos carbonizados.
As equipes também encontraram um escrito o que parece ser a indicação de que se tratava do “Livro 1”, apesar de haver algum grau de incerteza sobre isso.
Segundo Desafio Vesúvio, a numeração do livro levanta questões. Michael McOsker, da University College London/Universidade de Oxford e membro da equipe de papirologia do desafio, disse, em publicação do Desafio Vesúvio, que atualmente o primeiro livro de “Sobre/Dos Vícios” é tido como a obra “Sobre/Da Bajulação”, que é conhecido por um outro pergaminho.
As premiações no Desafio Vesúvio permanecem em aberto, considerando que o pergaminho em questão não é o único que pode ser objeto de estudo. Outros prêmios de US$ 60 mil estão disponíveis para quem descobrir as primeiras letras dos pergaminhos 2, 3 ou 4, além dos títulos desses mesmos papiros e do 1. Há ainda um valor de US$ 200 mil (R$ 1,5 milhão) para a primeira pessoa que “desenrolar” e ler completamente um pergaminho herculano —lembrando que, fisicamente, eles não podem ser desenrolados, por estarem carbonizados.
O desafio tem parceria das bibliotecas Bodleian, em Oxford, no Reino Unido —que guardam diversos textos históricos—, da Universidade de Oxford, da Biblioteca Nazionale di Napoli, da Universidade de Naples Federico II, e do EduceLab na Universidade do Kentucky.
História do desafio
Pouquíssimos textos da Antiguidade chegaram, de fato, até os nossos tempos. A grande maioria das obras da época é conhecida a partir de cópias manuscritas posteriores, em geral feitas durante a Idade Média.
Chegar às atuais descobertas exigiu um longo esforço colaborativo e sorte. Tudo começou há cerca de duas décadas quando Brent Seales, cientista da computação da Universidade do Kentucky em Lexington (EUA), passou a desenvolver técnicas para desenrolar virtualmente os papiros, com a ajuda de tomografia computadorizada.
A teria era que essa técnica poderia revelar cada uma das camadas internas de pergaminho, para que depois fossem remontadas em uma superfície plana. Para chegar ao máximo de resolução, o pesquisador levou os rolos a um acelerador de partículas perto de Oxford, no Reino Unido.
Mas havia outro problema. A tinta usada nos pergaminhos era a base de carvão, o que impediu que as imagens, de início, revelassem diferenças entre o papiro carbonizado e o texto escrito. Foi aí que entrou o uso de IA para achar padrões sutis de diferença, como na espessura da folha, entre as regiões com e sem tinta.