rprangel2004@gmail.com (Ricardo Rangel)
O Fantástico divulgou vários áudios obtidos nos celulares de implicados na organização do golpe. Vejamos como ficam algumas das informações que temos até agora quando cotejadas com as gravações:
Os conspiradores procuraram um meio de desmoralizar as urnas eletrônicas, inclusive com métodos ilegais, mas não obtiveram sucesso.
Áudio enviado por Mauro Cid: “A gente está recebendo cara de TI, hacker […]. A gente tem cara infiltrado em tudo quanto é lugar. Monitorando e passando pra gente as informações. Refutando ou ajudando a instigar. (…) Matemático, estatístico, PhD, aquelas denúncias sigilosas, vai encontrar o cara no mercadinho, vai encontrar o cara na garagem, o cara passa um pen drive. Tem de tudo, cara. Mas ninguém ainda chegou com uma coisa que consiga abrir uma investigação.”
Suposto hacker para Mauro Cid: “logo que saiu (sic) os arquivos TSE, vou pegar esses arquivos aí pra ver o que dá pra fazer. E vou buscar agora qual é a inconsistência desse negócio aí. Por que tá essa votação. Mas a gente teria que encontrar alguém lá de cima, do governo, principalmente. Por coincidência, uma tia na mesma igreja da Damares, da ministra. Aí a Damares, ela escutou e passou um contato de uma assessora do Bolsonaro. De alguma forma, chamaram o pessoal da Abin. Bom, esses caras da Abin vieram aqui. (…) Mas, tecnicamente, putz, são fracos demais.”
(Seria divertido mais um hacker tabajara, com tia espiã na igreja, ainda por cima criticando o amadorismo da Abin… se não fosse tão patético.)
Golpistas apoiavam e estimulavam os manifestantes do acampamento de onde saiu o 8 de janeiro.
Manifestante Rodrigo Yassuo Faria Ikezili para o general Mario Fernandes. “Bom dia, general, tudo bem? Eu tô precisando e um apoio aqui, porque a gente comprou uma tenda e o pessoal não tá deixando ela entrar pra trocar. Polícia do Exército daqui do QG, preciso de um apoio pra liberação.”
Caminhoneiro Lucas Rotilli Durlo para o general Mario Fernandes: “Eu queria ver com o senhor aí, qual que é a perspectiva? Até quando vocês querem que a gente fique aqui, general? E ver com o presidente aí. Eu não saio daqui, quero ser o último a sair, somos um soldado.”
(Para quem não se lembra, o general Mario Fernandes, então segundo da Secretaria Geral de Governo, foi gravado na reunião de ministério de 5 de julho de 2022 pedindo que uma “alternativa seja tomada” antes da eleição, senão seria “64 de novo”, ou “uma junta militar”.)
Bolsonaro viu a minuta golpista e reduziu seu escopo para tentar atrair o general Freire Gomes, comandante do Exército para a conspiração.
General Mario Fernandes para outro integrante das Forças Especiais: “Kid preto, o decreto é real, foi despachado ontem com o presidente”.
Cid para Freire Gomes: “”Ele entende as consequências do que pode acontecer. Hoje ele mexeu naquele decreto, ele reduziu bastante, fez algo mais direto, objetivo e curto. E limitado, né?”,
A Marinha estava no golpe, mas o Exército não embarcou. Freire Gomes disse não e alertou o presidente de que seria preso se insistisse.
Tenente-coronel Sérgio Cavaliere para o coronel Gustavo Gomes: “Acabei de falar com o Cid, cara. Ele falou que não vai ter nada. Tá pronto, só que ele não vai assinar porque o Alto Comando está rachado e não quer encampar a ideia. Então, é isso aí, tio. Deu ruim, tá? Acabei de falar com o nosso amigo lá, ele falou que não vai rolar nada. O Alto Comando não vai topar. A Marinha topa, mas só se tiver outra Força com ela, porque ela não aguenta a porrada que vai tomar sozinha”.
Coronel George Hobert Oliveira Lisboa, então assessor especial da Secretaria-Geral da Presidência da República para outro general: “Agora tá ficando muito claro que o Alto Comando, e não é o Exército, é o Alto Comando do Exército tá se fechando em copas, talvez com uma maioria contra a decisão do presidente. Mas pensando em primeiro lugar na instituição, no próprio Exército, quando deveria estar pensando em primeiro lugar no Brasil. Eu sei o quanto o senhor está comprometido com essas ações, o risco que todos nós estamos correndo participando dessa frente”.
Coronel Bernardo Corrêa Netto para o coronel Fabrício Bastos: “Ele falou: Ô, cara, pode esquecer. O decreto não vai sair, o presidente não vai fazer, só faria se tivesse apoio das Forças Armadas, porque ele tá com medo de ser preso. Falei com ele agora de manhã”.
Sergio Cavaliere para o Coronel Gustavo Gomes: “agradeçam aí aos nossos líderes, formados naquela escola de prostitutas, né? E o presidente não vai embarcar sozinho, porque ele tá com o decreto pronto, ele assina, e ninguém vai, e ele vai preso. Então ele não vai arriscar. E bem vindos à Venezuela.”
Ainda que muita gente tenha entrado de gaiato, o 8 de janeiro foi, sim, um movimento golpista.
Coronel Guilherme Marques de Almeida: “Não adianta protestar na frente do Quartel General, tem que ir para o Congresso. E as Forças Armadas vão agir por iniciativa de algum poder. Porque, assim, todo mundo quer Forças Armadas por quê? Quer um mecanismo de pressão chamado arma, né? Pra apaziguar, a gente resolve destituir, invalidar a eleição, colocar voto impresso e fazer uma nova eleição. Com ou sem Bolsonaro.”,
Ainda Almeida: “Eu acho que o pessoal poderia fazer essa descida. E ir atravancando mesmo. Porque a massa humana chegando lá, não tem PM que segure. Vai atropelar a grade e vai invadir. Depois não tira mais.”
A esta altura, só acredita que não havia tentativa de golpe quem é capaz de acreditar que quem toma vacina vira jacaré O golpe só não ocorreu porque não teve o apoio das Forças Armadas. Mas ainda há duas ressalvas:
1) Por enquanto não apareceu nada que ligue Bolsonaro ao 8 de janeiro.
2) O sistema de Justiça brasileiro não aprender nada e continua usando os métodos da Lava-Jato, de vazar informações seletivamente. A experiência ensina que não é um método temerário.
(Por Ricardo Rangel em 24/02/2025)