Tudo o que sei sobre Poze do Rodo é o que chega a mim pelas redes, pelo rádio e pela TV. Não precisa nem procurar, as notícias chegam até a gente pelos portais e telejornais. E hoje, em todo lugar, está a notícia de que Poze foi preso, acusado de “apologia de crime e suspeita de envolvimento com o Comando Vermelho”, junto com imagens tremidas dos câmeras andando de costas para enquadrar o MC ao lado dos repórteres que lutam para obter respostas do MC, algemado e sendo conduzido pela polícia. Se ele tiver cometido crime, tem que pagar. É a lei que nos rege.
Mas, afinal, Poze do Rodo é culpado ou inocente? Essa é a pergunta que nossa sociedade polarizada faz.
O fato é que a realidade não é binária. Binário é o mundo digital, que ninguém entende muito bem, mas que é basicamente um universo de dados trafegando em 0 e 1. Ligado ou desligado. Sim ou não.
A vida é complexa, um infinito de causas e efeitos, de escolhas possíveis, de informações genéticas, de limitações sociais, de sorte e azar, de injustiças, de caos. Mas se ele tiver cometido crime, tem que pagar. É a lei que nos rege.
Quando olho as imagens de Poze de Rodo vejo só que meus olhos captam: um cara jovem, bonito, malhado, bem cuidado, cabelo estiloso, mansão gigante, carros caríssimos, quilos de ouro no pescoço. Um MC de uma comunidade do Rio de Janeiro. Um artista de trap que fala do que vive, do que vê, da violência que o cerca, da mistura de fé, crime, armas, polícia, dinheiro, amor, sexo, vida e morte.
O impulso é sempre o de ridicularizar a ostentação, de sentir inveja, depois raiva e partir para condenar.
Então olho a minha volta. Sou uma mulher madura, moro num bairro bom de São Paulo, estou num escritório cheio de diplomas na parede. Vim de família simples? Vim. Sou esforçada? Sou. Mas tive oportunidades, tive sorte, privilégios de origem, como o fato de ser branca numa sociedade racista. Tenho lugar de fala para falar da vida de Poze? Acho que não.
Não estou “defendendo bandido”, como dirão alguns extremistas, os apressados em condenar para se livrar de quem não querem que exista. Estou pensando antes de falar. Porque os diplomas que exibo na parede, os posts que publico com minhas conquistas não são diferentes do ouro que Poze pendura no pescoço. O objetivo é o mesmo, provar que temos valor para nossa comunidade, nosso mundo, nosso tempo.
Sei que tenho reconhecimento porque tem um mercado formal que me contrata, me paga, pessoas que me apoiam, me guiam e me seguem. Poze deve saber de seu valor para seu mundo porque além de todos os bens que conquistou tem quinze milhões de seguidores.
É isso mesmo que você leu, mais de quinze milhões de pessoas seguem Marlon Brandon, nome real do MC. Mesmo sabendo que número de seguidores não define caráter, culpabilidade ou inocência, é um apoio gigante, uma legião imensa de fãs. Fãs que fizeram com que o clip de “A cara do crime”, sucesso de Poze de quatro anos atrás, chegasse a quase 500 milhões de views no YouTube.
Cliquei no vídeo, procurei a letra e li. O texto começa com Poze falando de uma patricinha que o procura porque gosta de bandido, porque quer transar com um criminoso. Ele a leva para ver o Rio do alto do Complexo, para pegar a visão de como tudo está lindo. E diz que naquele momento, a comunidade está na paz, tranquila e sente saudade dos que já se foram. Entra o segundo artista, cheio de grana, carro, que diz que favelado chique, cheio de grana, incomoda. Leva enquadro da blitz e diz aos policiais que não vão encontrar nada. Entra o terceiro e diz que é “a cara do crime”, que riam dele quando ele começou, que hoje tem “meio quilo de ouro no pescoço, BMW com banco de couro”. Diz também “pelos meus crias eu também mato e morro, fora da lei”.
É só uma letra artística ou confissão? É facção ou ficção? E se as letras, os shows, acontecem há anos, por que estão prendendo ele agora? E essas imagens sensacionalistas, sevem para quê, atendem a quem? Essa prisão do artista vai resolver a criminalidade que ele descreve em suas letras? Poze do Rodo faz parte do CV? Ele é responsável pela criminalidade, que trafica, que rouba, que mata? Ele é vítima do meio em que vive? As duas coisas?
Não sei. Mas vou ver a letra de “MC não é bandido” para tentar entender.
Só sei que se ele tiver cometido crime, tem que pagar. É a lei que nos rege.