André Borges
Um relatório produzido nesta semana pelo Ministério da Agricultura apontou que o atual modelo de criação de aves no Brasil é vulnerável a sérios problemas de saúde animal. O texto também destaca riscos sanitários e ambientais que podem facilitar o surgimento e a disseminação de doenças, como a gripe aviária.
A Folha teve acesso ao documento, que acaba de ser concluído pelo Departamento de Saúde Animal da Secretaria de Defesa Agropecuária do ministério. O relatório mostra que, atualmente, existe um vácuo legal provocado pela falta de uma norma nacional que aponte regras sobre o bem-estar de aves na produção, o que seria um campo fértil para a influenza aviária.
Nesta sexta (16), o Ministério da Agricultura confirmou a detecção do vírus em uma granja de aves comerciais em Montenegro, no Rio Grande do Sul. É o primeiro foco da doença registrado em sistema de avicultura comercial no país, disse a pasta, em comunicado. China e União Europeia suspenderam importações de proteína de frango brasileira pelos próximos 60 dias, de acordo com o ministro Carlos Fávaro.
Segundo o relatório obtido pela Folha, o sistema de produção usado atualmente no país, focado em reduzir custos e aumentar a produtividade, expõe as aves a situações de falta de espaço, calor excessivo, ventilação inadequada e uso abusivo de luz artificial. Tudo isso dificultaria o comportamento natural dos animais e os tornaria mais vulneráveis a doenças.
“Apesar dos benefícios financeiros e econômicos deste modelo [produção intensiva], o aumento da densidade resulta em estresse crônico nos animais, com impactos na saúde animal, na saúde humana e no ambiente. Animais com estresse crônico são menos resilientes, apresentando doenças recorrentes em consequência de práticas usuais e condições que lhes são estressantes”, afirma o relatório.
O documento do Ministério da Agricultura informa que medidas farmacêuticas vêm sendo usadas, com o objetivo de reduzir os prejuízos provocados por má condição, doenças e mortalidade, mas que isso pode trazer sérios impactos à saúde animal e pública.
“A análise de dados obtidos de vigilância e monitoramento de programas oficiais confirma o aumento da Resistência Antimicrobiana (RAM), com risco concreto de agravamento do problema no médio e longo prazo, e risco potencial de dificuldade de acesso a mercados para produtos nacionais (carne de aves, ovos e material genético)”, alerta o relatório.
A gripe aviária é causada por um vírus que se espalha com facilidade entre aves, especialmente em ambientes de alta densidade populacional e de estresse crônico nos animais, características comuns no Brasil, em locais de produção intensiva e que não seguem boas práticas de bem-estar animal.
O próprio setor produtivo, de acordo com o documento, chegou a apontar que as medidas e protocolos existentes hoje são insuficientes para melhorar as condições de vida dos animais.
“Esta condição representa um ambiente de concorrência desleal entre empresas que estão realmente ofertando bem-estar, com algum aumento de custo inicial, e aquelas que anunciam procedimentos que não representam melhoria das condições nas quais os animais estão submetidos”, relata o documento.
A consequência disso, conforme o próprio relatório, é que esse modelo de produção resulta em “maior risco de incidência de doenças”, além de “reincidência de doenças infecciosas em ambientes de aglomeração animal, uso aumentado e não sustentável de antimicrobianos na produção e tendência de aumento da multirresistência bacteriana”.
O Brasil é hoje o maior exportador mundial de carne de frango, responsável por quase 38% das vendas globais, e o segundo maior produtor do mundo, com mais de 5 bilhões de frangos abatidos por ano. O país também está entre os cinco maiores produtores de ovos. Apesar disso, ainda não há uma regra nacional específica sobre bem-estar animal na criação de aves.
O documento conclui que uma base normativa sobre o tema é necessária para uniformizar e padronizar as práticas produtivas básicas que respeitem o conceito de “Uma Só Saúde”, incluindo a questão animal, humana e ambiental.
Uma minuta de decreto sobre o tema já foi elaborada pelo ministério. “A alternativa escolhida foi a publicação de normativa de natureza obrigatória e não prescritiva, de implementação gradual, que considere tipo e porte da produção, com requisitos básicos para garantia de bem-estar na produção”, aponta o relatório.
A Folha questionou o Ministério da Agricultura sobre o relatório, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.