Instinto materno é uma ilusão. Uma mentira repetida tantas vezes que virou verdade. Um mecanismo eficiente para manter mulheres domesticadas, disponíveis e emocionalmente culpadas. O que eu intimamente parecia saber foi escancarado pela jornalista Chelsea Conaboy, mãe e autora do livro que mostra como a neurociência está reescrevendo a história da parentalidade.
Baseado em estudos, dados científicos e entrevistas com especialistas, “O Mito do Instinto Materno” prova que ninguém nasce com vocação uterina. Cuidar, amar, nutrir são capacidades humanas, não exclusividades femininas. Amor não vem do ovário, mas do vínculo —se é que vem. Não existe chamado universal, automático, biológico, ao contrário do que nos fazem crer. O que chamamos de instinto é contexto, exposição e escolha. E nem toda mulher quer essa experiência.
Ser mãe deveria ser uma decisão pensada e programada, não uma tarefa compulsória. Mas, numa sociedade que transforma a maternidade em consagração feminina, a mulher que não quer filhos vira suspeita. Ou vilã, como Odete Roitman, de “Vale Tudo”. Apesar de ter dado voz a milhares, ou milhões, ao dizer “nunca quis ser mãe”, é uma pena que a fala venha de uma personagem que reforça o estereótipo de que falha de caráter pode explicar a falta do tal instinto.
Nunca quis ser mãe. Foi libertador reconhecer em mim o vazio de vontade e, a partir daí, não me importar se eu pareça insensível ou defeituosa. Tive dúvidas, enquanto o tempo passava, o relógio biológico apitava e nada. Mas não senti angústias ou crises existenciais, como vejo tantos relatos de mulheres que ainda acham que precisam se explicar ou, pior, se enquadrar.
Querer ser mãe não é mais nobre, é só mais comum. A ausência do desejo não é uma falta a ser preenchida, é uma presença que basta. A de estar inteira em si, sem precisar provar valor pela maternidade. Não há buraco, não há trauma, não há lamento. O que existe é autonomia. E isso ainda assusta. Nem por isso devemos pedir desculpas por nossas escolhas ou ceder à chantagem da maioria.
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