Pedro Jordão
Uma das maiores promessas da esquerda brasileira, o prefeito do Recife, João Campos (PSB), tem demonstrado, com apenas 31 anos, um crescimento político meteórico. De sua primeira eleição, em 2018, como deputado federal mais votado de Pernambuco, com apoio de 460 000 eleitores, até sua reeleição à prefeitura, no primeiro turno de 2024, ele tem se firmado como um dos rostos da tão esperada renovação desse campo político. Em 2026, oito anos depois de vencer sua primeira disputa eleitoral, ele já vai para sua quarta candidatura, desta vez ao comando do governo do estado — as pesquisas mais recentes apontam o seu favoritismo, entre 50% e 70% das intenções de voto. Campos se cacifou ainda mais ao tomar as rédeas do PSB, tornando-se presidente nacional da legenda. Apesar de tudo isso, o herdeiro político dos ex-governadores Eduardo Campos (seu pai) e Miguel Arraes (seu bisavô) terá seus espólios e seu favoritismo colocados à prova de fogo na corrida eleitoral do ano que vem, em uma disputa que, desde já, tende a mexer com o tabuleiro nacional.
A dificuldade que se desenha no horizonte tem nome e sobrenome: Raquel Lyra. A governadora do PSD, candidata à reeleição, se movimenta com firmeza nos bastidores para tentar dar musculatura a sua candidatura para a disputa com Campos. Além de ter conseguido deslanchar um bom pacote de entregas à população, ela se reforçou politicamente ao trocar o decadente PSDB pelo ascendente PSD, comandado por Gilberto Kassab, levando com ela setenta prefeitos pernambucanos — quase 40% do total. Colocando na conta os partidos aliados, Raquel já tem o apoio de mais de 75% dos gestores municipais, o que cria uma dificuldade para o adversário, que é forte no Recife, mas pena para recuperar terreno perdido pelo PSB no interior. Além disso, ela dispõe de outras vantagens, como poder continuar no comando da máquina durante o processo eleitoral (pela lei, só João Campos tem de deixar a prefeitura em abril de 2026), usar os cargos que tem para incorporar legendas à base — como tem feito neste ano — e possuir espaço em sua chapa para negociar alianças.
O prefeito do Recife, embora favorito, decidiu que é preciso “pegar em armas” e já se movimenta intensamente para tentar acomodar aliados valiosos em sua chapa. O primeiro deles é o PT, com a candidatura ao Senado de Humberto Costa (PT). Mas para tentar formar uma frente ampla e mais consistente contra Raquel, Campos tenta abrir espaço para o Republicanos e o União Brasil, o que lhe garantiria mais de 30% do tempo de propaganda e apoio no sertão pernambucano. A segunda vaga ao Senado tende a ficar com o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (Republicanos), que já apresentou pré-candidatura e é aliado de primeira hora do projeto de Campos. Para a posição de vice na chapa, o prefeito deseja uma mulher, demanda que pode acabar escanteando o União Brasil, que quer emplacar Miguel Coelho, ex-prefeito de Petrolina e herdeiro de uma importante liderança estadual. Um acordo mal-costurado nessa seara pode pender a balança para Raquel, já que o União Brasil está em cima do muro por causa da federação com o PP, que está na base da governadora.
Uma peça-chave de toda a equação é Lula. E é nesse contexto nacional que a eleição pernambucana fica mais complexa. Para o presidente, que está na luta para melhorar os seus índices de avaliação, não é um bom negócio perder aliados. Com Geraldo Alckmin (PSB) como vice e o apoio declarado de Campos a sua reeleição, ele naturalmente estaria desse lado da disputa. No entanto, sempre que vai a Pernambuco, o presidente faz acenos aos dois lados, visando não perder parte do apoio que tem do PSD, a exemplo do ministro da Pesca, André de Paula, pernambucano que é filiado à legenda. De resto, há petistas simpáticos a Raquel, como o deputado estadual João Paulo, primeiro prefeito do PT no Recife, que integra a base dela na Assembleia. “Se tem algum petista no governo de Raquel, não é por indicação do PT. Mas a eleição será nacional, nossa prioridade é a reeleição do presidente Lula. Será avaliado o que é melhor para isso em cada estado”, diz a senadora Teresa Leitão (PT-PE). Para Lula, que é pernambucano e obteve quase 70% dos votos no estado em 2022, ficar em cima do muro seria o mais confortável. A ideia, porém, é totalmente rejeitada pelo PSB, que fala até em desfazer a aliança nacional se Campos não for o único candidato de Lula. Do outro lado, o entorno de Raquel se diz aberto a negociações, mas o preço cobrado não deve ser baixo, já que ela não quer ser somente o “plano B” do presidente e precisaria encontrar vantagens eleitorais nisso. “Raquel pode manter a posição de neutralidade em relação a Lula e dizer que é capaz de firmar alianças e fazer o que for preciso por Pernambuco. É quase um gesto de reconhecimento ter um presidente que a apoia independentemente do partido”, avalia Priscila Lapa, doutora em ciência política pela UFPE.

Outro componente nacional que pode influenciar a eleição é a ausência de Jair Bolsonaro na disputa. O ex-ministro do Turismo e aliado próximo do ex-presidente, Gilson Machado (PL), terceiro colocado nas pesquisas ao governo, negou para VEJA que vá entrar na briga. “A nossa tendência hoje, do presidente Jair Bolsonaro, é não apoiar nenhum dos dois (Campos e Raquel). Vamos ficar neutros, focar na eleição do Senado”, diz. A posição oficial do PL de Pernambuco, até o momento, é de ponderação. Lideranças dizem que vão aguardar a definição do cenário nacional para fazer suas negociações locais. Os bolsonaristas acreditam que uma das duas vagas ao Senado por Pernambuco “com certeza” será deles e que a questão do governo é mais incerta. Seja qual for o rumo, o PL pode abrir margem para os votos dos bolsonaristas serem conquistados por Raquel, se ela oferecer palanque ao candidato presidencial deles, se ficar neutra ou ainda se abrir espaço para um eventual presidenciável de seu próprio partido, como o governador do Paraná, Ratinho Junior.
O quadro que se pinta em Pernambuco é de uma batalha dura. João Campos, que conquistou a posição de herdeiro político da dinastia ao vencer a prima Marília Arraes, então no PT, numa acirrada disputa pela prefeitura em 2020, quando tinha 27 anos de idade, terá outra vez que colocar seu potencial à prova. A adversária, também herdeira de uma tradicional família de políticos, conhece o clã Arraes por dentro — foi filiada ao PSB por dez anos e secretária estadual da Criança e Juventude no governo de Eduardo Campos. Em 2022, como adversária, quebrou um ciclo de dezesseis anos do PSB à frente do estado. A batalha claramente já começou.
Publicado em VEJA de 11 de julho de 2025, edição nº 2952