Clayton Castelani
Perto de completar 90 anos, a professora aposentada Myriam Lisette de Azevedo Sá Sonnewend contou para a família ainda ter um sonho a ser realizado. Ela queria ver com os próprios olhos as luzes e a atmosfera extravagante da cidade de Las Vegas, nos Estados Unidos.
Com a idade avançada, ela sabia que faltariam pernas para percorrer a Strip, a famosa rua repleta de cassinos. Comprou uma cadeira de rodas elétrica e convenceu alguns parentes a embarcarem com ela.
Chegando lá, descobriu que o glamour da cidade estava mais nos filmes do que na vida real. Encantou-se, porém, com as lojas que vendiam acessórios para a festa que ela mais amava, o Natal. Trouxe na mala um Papai Noel inflável em tamanho natural.
O bonecão no meio da sala da casa no Jabaquara, na zona sul de São Paulo, virou a atração principal da celebração natalina com a família, amigos e vizinhos.
Mudar de planos para seguir uma trajetória mais feliz era um ensinamento que Myriam repetia para aqueles que estavam ao seu redor. Se a viagem dos sonhos não era exatamente como a imaginada, por que não torná-la mais divertida levando para casa um Papai Noel gigante?
“Ela sempre nos aconselhava a mudar o caminho quando algo não estava dando certo”, conta a neta Leila Sonnewend, 31. “Era uma mulher independente, tirou carteira de motorista nos anos 1950, quando poucas mulheres faziam isso. Fez tudo do jeito dela.”
Professora da rede pública, estava acostumada a distribuir ensinamentos e conselhos, às vezes, de forma impositiva. Mas também era compreensiva, entendia e apoiava as escolhas alheias. “Minha avó era a pessoa que mais torcia por nós”, diz Leila.
Myriam gostava de casa cheia, principalmente no Natal, data na qual ela também fazia aniversário e sempre comemorava com solturas de balões cheios de gás hélio para homenagear entes queridos que tinham partido —um balão para cada pessoa.
Os raros momentos de tensão aconteciam durante os jogos do São Paulo. Torcedora fanática do tricolor, nem sempre conseguia assistir às partidas porque tinha medo de passar mal.
Foi com esse jeito agregador —além de uma mesa sempre farta de coxinhas e pastéis caseiros— que Myriam e o marido, o também professor Theodoro Sonnewend Filho (1926-2015), construíram e mantiveram unida uma família de cinco filhos, dez netos e seis bisnetos.
Um final feliz para uma história de solidão e tristeza na infância. A professora nascida em Cruzeiro, no interior de São Paulo, perdeu a mãe quando ainda tinha nove anos de idade.
A ausência da mãe gerou marcas. Myriam demorou quase uma vida para ficar à vontade para demonstrar afeto. “Só nos últimos anos minha avó começou a dizer ‘te amo’, porque era algo que não costumava ouvir, isso ela aprendeu com a gente”, recorda Leila.
Myriam morreu de causas naturais no último dia 5 de março, em São Paulo, aos 96 anos. Antes, ouviu muitas vezes que era amada por seus filhos, netos e bisnetos.