Eduardo Cucolo
O projeto de reforma do Código Civil prevê que o trabalho na residência da família e os cuidados com os filhos darão direito a uma compensação a ser fixada pelo juiz em caso de divórcio ou morte do cônjuge ou companheiro.
O dispositivo que busca remunerar o chamado trabalho invisível será aplicado somente nas uniões no regime de separação total de bens, aquelas em que a pessoa que assumiu a tarefa doméstica, muitas vezes abandonando um emprego fora de casa, corre o risco de sair do relacionamento sem direito a nada.
O código atual, sancionado em 2002, não prevê essa compensação. Alguns juízes estabelecem indenizações nesses casos, mas não há uma jurisprudência definida sobre a questão. Há também pactos antenupciais que preveem essa remuneração, algo que ainda é raro no país.
A proposta nasceu a partir de uma comissão de juristas e foi apresentada formalmente como projeto de lei no Congresso (PL 4/2025) em janeiro deste ano pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O capítulo sobre o regime de separação traz duas propostas de mudança na lei (artigo 1.688). Primeiro, diz que haverá a divisão de bens adquiridos por ambos os cônjuges ou conviventes com a contribuição econômica direta de ambos, respeitada a sua proporcionalidade. Mesmo que ele esteja registrado no nome de apenas um deles.
Diz ainda que “o trabalho realizado na residência da família e os cuidados com a prole, quando houver, darão direito a obter uma compensação que o juiz fixará, na falta de acordo, ao tempo da extinção da entidade familiar”.
“[O projeto] tem uma preocupação com a invisibilidade do trabalho feminino. Embora a Constituição garanta igualdade, a gente não ganha a mesma coisa que um homem. O processo legislativo tenta dar uma equilibrada nisso. Se vai conseguir, não sabemos”, afirma Renata Mangueira de Souza Gasparini, especialista em contencioso cível, família e sucessões do escritório Gasparini, Barbosa e Freire Advogados.
Ela afirma que a lei não traz parâmetros objetivos sobre essa indenização, o que seria muito difícil de fazer em uma legislação tão ampla, e que o juiz terá de analisar, no caso concreto, questões como patrimônio, tempo de união e outros pontos específicos sobre a vida e os filhos do casal.
Silvia Felipe Marzagão, especialista em direito de família e sucessões e sócia do escritório Silvia Felipe e Eleonora Mattos Advogadas, afirma que é positivo ter uma regra que preveja indenizar aquele que trabalhou no cuidado com a família e não vai ter nenhum tipo de patrimônio no fim da relação, mas defende que haja alguns parâmetros para isso.
“A intenção legislativa parece boa, mas a forma como está escrito talvez tenha que ser um pouco mais amadurecida, para ficar claro quais os critérios para que essa indenização seja concedida.”
Ela diz que a compensação não se aplica ao regime de comunhão parcial, que já garante a esse companheiro ou companheira metade dos bens constituídos durante a relação.
As duas advogadas afirmam que essa alteração no código também busca compensar outra mudança proposta.
Atualmente, esse cônjuge tem direito a disputar com os filhos o patrimônio adquirido antes do relacionamento —a separação total só afasta esse companheiro da herança formada pelos bens constituídos durante o casamento. Essa regra se aplica somente para herança, não para divórcio. Isso não pode ser alterado nem por testamento.
A proposta de reforma do código afasta o cônjuge da disputa por essa herança, que muitas vezes vem de outro relacionamento. Com isso, haverá um retorno à regra vigente antes da sanção do código atual.
“O código de 2002 colocou o cônjuge em uma situação vantajosa em relação aos filhos. Criou aquilo que a gente chama de ‘super cônjuge’. A reforma revê isso, mas ela também não pode criar um ‘mini-cônjuge’. Então ela tenta equilibrar essa relação”, afirma Renata Gasparini.
Mudanças no regime de separação de bens
- Admite-se a divisão de bens adquiridos por ambos os cônjuges ou conviventes com a contribuição econômica direta de ambos, respeitada a sua proporcionalidade.
- O trabalho realizado na residência da família e os cuidados com os filhos, quando houver, darão direito a obter uma compensação que o juiz fixará, na falta de acordo, ao tempo da extinção da entidade familiar.
Fonte: PL 4/2025 – Senado Federal