Leonardo Fuhrmann
Quando um teatro fecha as portas, muitas histórias deixam de ser contadas. No caso do Teatro de Contêiner, localizado na Luz, ao lado de onde era o fluxo da cracolândia, a agenda de espetáculos tinha apresentações para os próximos dois anos, segundo conta Lucas Bêda, um dos atores e produtores da Cia. Mungunzá.
Na tarde de quarta-feira (28), a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) entregou uma intimação que dá o prazo de 15 dias para que eles entreguem a área no centro de São Paulo. “Eles dizem que, se não retirarmos tudo, eles podem entrar com tratores e derrubar o teatro, como fizeram com o Vento Forte“, afirma.
Localizado dentro do Parque do Povo, no Itaim Bibi (zona oeste), o outro teatro foi demolido pela administração municipal em fevereiro. “O secretário municipal de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, Totó Parente, deve entrar para a história da cidade como o gestor da Cultura na época em que a prefeitura destruiu teatros”, provoca Bêda.
Ele afirma que a companhia tentou conversar com o secretário, mas ele não quis se envolver no assunto. A prefeitura afirma que o terreno será destinado à “implantação de um hub de moradia social” e que o espaço é “um ponto estratégico para que seja instrumentalizado um novo programa habitacional municipal”. Para os artistas, a administração municipal tem terrenos ociosos, inclusive na região central, que poderiam atender à finalidade habitacional.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de São Paulo afirma ter convidado representantes do teatro para uma reunião na quarta-feira, mas ninguém compareceu. Diz ainda que desde o ano passado vinha discutindo o assunto com os responsáveis pelo teatro.
“A administração municipal reitera que a área será destinada a atendimento de famílias cadastradas em serviços municipais e moradores da região no âmbito das ações integradas que vêm recuperando toda a região central da cidade”, diz a gestão Nunes, em nota.
O grupo tenta reverter a decisão na esfera administrativa, com a própria prefeitura.
“Vamos buscar a permanência do teatro, que cumpre uma função cultural e social fundamental para o território. Entendemos que o despejo ali seria uma perda para o coletivo, as pessoas que frequentam e também para toda a cidade”, afirma a advogada Giovanna Milano, professora de direito urbanístico do Instituto das Cidades da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e coordenadora do projeto de extensão Galpão de Direitos.
Ela faz parte de uma frente de apoio jurídico que vai atuar em defesa do teatro. “O primeiro passo será pleitear a revisão da postura de remoção e abertura do diálogo pelo poder público, considerando o potencial de violação de direitos que esse despejo pode acarretar”, explica. Caso não dê certo, o grupo não descarta buscar uma solução na Justiça.
A expectativa, para Bêda, é grande. Ele lembra que a Secretaria de Saúde já solicitou em outro momento a área para a construção das tendas de assistência a dependentes químicos. Na ocasião, a ideia acabou descartada. “É uma atuação sistemática nos últimos anos. Primeiro deslocam o fluxo [aglomeração de usuários] para o território, instalam a saúde e depois expulsam e constroem prédios”, afirma, com exemplos na alameda Dino Bueno e nas imediações do próprio teatro e da estação Júlio Prestes.
O otimismo é baseado na importância do equipamento cultural para a cidade. Apesar de não ser tombado pelo Condephaat (órgão estadual de patrimônio), como era o Vento Forte, o Teatro de Contêiner tem seu valor arquitetônico reconhecido internacionalmente. Em 2023, foi indicado pelo Sesc São Paulo, como um exemplo de inovação em arquitetura teatral no Iteac, um evento especializado no tema realizado em Londres.
Construído em 2016, o teatro é formado por 11 contêineres marítimos e foi montado quando o terreno público estava abandonado. “Além de apresentar nossas peças, recebemos outros grupos tanto para apresentações como para ensaios”, explica Bêda.
Atualmente, a companhia recebe financiamento estadual para a manutenção da sede, depois de sair vitoriosa em um edital. Não é a única relação com o poder público. A Defensoria Pública chegou a usar o espaço do teatro para algumas de suas atividades, por exemplo.
O Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de São Paulo (Sated-SP) e diversos artistas teatrais conhecidos da cidade, como o ex-secretário de Cultura Celso Frateschi, divulgaram mensagens de apoio à permanência da companhia no local.
A prefeitura chegou a sinalizar com a possibilidade de oferecer outra área para o grupo instalar a sua sede, mas os artistas não pretendem aceitar essa solução. Não só pela falta de informações sobre os termos que seria a entrega do terreno e sua localização, mas pela própria relação que os artistas criaram com o território.
Dentro de sua sede, além do teatro, funciona o Coletivo Tem Sentimento, que atua na “capacitação em corte, costura e economias criativas, além de assistência para mulheres cis e trans em situação de vulnerabilidade social”. Durante a pandemia, a Mungunzá firmou uma parceria para distribuir 500 refeições por dia a pessoas necessitadas.
Essa relação faz com que a região esteja presente não só a obra artística do grupo —como nos espetáculos Epidemia Prata (2018) e Cena Ouro – Epide(rmia) (2023)— mas na própria relação dos artistas com a região. “Moramos aqui perto e convivemos com a realidade das pessoas daqui”, afirma Bêda.