A segunda temporada de “The Last of Us” chegou ao fim no último domingo (25) com a plateia dividida. Entre os que manifestaram frustração, as duas principais preocupações advinham de mudanças feitas no formato da narrativa e de traços de caráter da Ellie do streaming, supostamente mais imatura do que a Ellie do jogo (a série é uma adaptação de um game em duas partes da Naughty Dog).
Adaptações embutem riscos, e, quanto maior o séquito de fãs do formato original, maior ele é.
É raro o caso em que a revisitação supere a criação inicial, por melhor que seja, por um motivo simples: a concepção daquela história foi feita para um dado formato —um livro, um filme, um podcast, um jogo, uma animação— e para transmutá-la de formato é preciso mudar escolhas de quem a concebeu.
A versão seriada de “The Last of Us” fez algumas dessas escolhas, e da mesma forma que recebeu críticas também colheu benefícios. Muito do voluntarismo de Ellie vem da escolha de Bella Ramsey para interpretá-la, e Ramsey é uma atriz excepcional, capaz de trazer nuances mínimas a uma personagem que, para quem não tem a memória do jogo (caso desta colunista), poderia parecer bidimensional.
Em vez disso, é possível quase sentir os arroubos, tristezas, desejos e neuroses dessa Ellie adolescente, que passou seus anos de amadurecimento em uma comunidade pequena e fechada. Se a imaturidade faz a personagem parecer menos brilhante que a do jogo (e aqui é uma conclusão tirada de conversas com quem jogou, não uma percepção própria), por outro lado ela ganha uma fragilidade, uma vulnerabilidade, dificilmente permitida a heróis de ação.
A outra questão é a escolha narrativa de dividir o enredo do segundo jogo em duas partes e seguir com o ponto de vista de Ellie na segunda temporada e o de sua rival, Abby (Kaitlin Dever), na terceira, como indicaram as cenas finais do domingo.
Essa opção serve melhor ao fatiamento da história, mas também atrasa a construção da dinâmica entre as duas, já que Abby pouco faz além de protagonizar a cena mais excruciante da série, a morte de Joel (Pedro Pascal).
A escolha por deixar este acontecimento logo no início da temporada também faz com que o espectador se ressinta da ausência de Pascal, cujo carisma gigante responde por parte do sucesso da série, ao menos entre os não-gamers.
Trazê-lo em flashbacks delicados, que revelam mais sobre o personagem do que havia sido feito no próprio jogo, ameniza essa sensação e abre mais possibilidades para os próximos episódios.
Ainda assim, muito da atmosfera do jogo é preservada na produção, coassinada por Neil Druckmann, o pai do game.
A preferência por enquadramentos em primeira pessoa nas cenas de ação, os cenários fantásticos de uma Seattle apocalíptica e a dimensão humana injetada a uma história de ação violenta —e bota violência nisso—, além do enredo em si seguir, até agora, intacto não traem quem se apegou ao original.
“The Last of Us” continua a ser uma grande série, ao menos se respeitado seu ciclo, que deveria terminar na terceira temporada. Ir além, como se aventa, já não seria um risco. Seria estritamente camicase.
A primeira e a segunda temporadas de “The Last of Us” estão disponíveis na HBO Max
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