Ted Hesson, Kristina Cooke
O governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, planeja revogar o status legal temporário de cerca de 240 mil ucranianos que fugiram do conflito com a Rússia, disseram um alto funcionário do governo e três pessoas familiarizadas com o assunto. Isso poderia colocar esse grupo de migrantes em um caminho para a deportação.
A ação, que pode ocorrer já em abril, seria uma reversão da acolhida que os ucranianos receberam na época do presidente democrata Joe Biden (2021-2025).
Antes do bate-boca público entre Trump e o presidente Volodimir Zelenski na semana passada, o governo americano já planejava retirar proteções para ucranianos. A medida faz parte de plano para revogar o status legal de mais de 1,8 milhão de migrantes admitidos nos EUA sob programas temporários de Biden.
A porta-voz do Departamento de Segurança Interna dos EUA, Tricia McLaughlin, disse que o órgão não se manifestará por ora. A Casa Branca e a embaixada ucraniana não responderam aos pedidos de comentários.
O Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) recebeu um decreto assinado por Trump em 20 de janeiro para encerrar todos os programas de vistos humanitários que permitem a entrada temporária de certos migrantes nos EUA.
O governo planeja revogar o visto temporário de cerca de 530 mil cubanos, haitianos, nicaraguenses e venezuelanos já neste mês, disse um funcionário do governo Trump.
O Serviço de Imigração e Controle de Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês) afirmou em um email interno, acessado pela Reuters, que migrantes que perderem seu status de visto temporário podem ser deportados de forma acelerada.
Imigrantes que cruzam a fronteira de maneira irregular podem ser deportados rapidamente por até dois anos após a entrada. Já aqueles que ingressaram legalmente, mas sem admissão oficial, podem ser removidos a qualquer momento, sem limite de prazo, segundo o email.
Os programas de Biden faziam parte de um esforço mais amplo para criar caminhos legais temporários e desencorajar a imigração irregular.
Além dos 240 mil ucranianos que fugiram da invasão russa e dos 530 mil cubanos, haitianos, nicaraguenses e venezuelanos, esses programas abrangiam mais de 70 mil afegãos que escaparam da tomada do Afeganistão pelo Talibã.
Um milhão de migrantes usaram o aplicativo CBP One para agendar a entrada em um ponto legal na fronteira. Outros milhares tinham acesso a programas menores, incluindo visto temporário para reunificação familiar para certas pessoas na América Latina e no Caribe.
Trump, como candidato, prometeu encerrar os programas de Biden, dizendo que eles ultrapassaram os limites da lei dos EUA.
O governo Trump pausou no mês passado o processamento de pedidos relacionados à imigração para pessoas que entraram nos EUA sob certos programas de visto humanitário de Biden —colocando a ucraniana Liana Avetisian, seu marido e sua filha de 14 anos em um limbo. Liana, que trabalhava com imóveis na Ucrânia, agora monta janelas enquanto seu marido trabalha na construção.
A família fugiu de Kiev em maio de 2023 e comprou uma casa na pequena cidade de DeWitt, no estado americano de Iowa. Seus documentos de visto temporário e de trabalho expiram em maio. Eles dizem que gastaram cerca de US$ 4.000 (R$ 23 mil) em taxas para renovar seu visto humanitário e tentar se inscrever em outro programa conhecido como Status de Proteção Temporária.
Liana afirma que começou a ter dores de cabeça por causa da preocupação com sua situação. “Não sabemos o que fazer.”
Rafi, um ex-funcionário de inteligência afegão, entrou legalmente nos EUA em janeiro de 2024 via CBP One na fronteira EUA-México, recebendo visto humanitário temporário que permitiu que ele vivesse e trabalhasse nos EUA por dois anos. Em 13 de fevereiro, pouco mais de um ano depois, foi detido em uma audiência com agentes de imigração na Virgínia, e seu status foi revogado.
No Afeganistão, Rafi foi treinado por americanos e forneceu inteligência sobre “alvos de alto valor”, de acordo com carta de recomendação de outubro de 2022. “Como resultado de seus esforços ativos contra o inimigo, ele está atualmente em perigo extremo e precisa de assistência para sair do país”, escreveu o ex-agente da CIA que o treinou.
Nos EUA, Rafi solicitou asilo e tinha audiência perante um juiz de imigração em abril. Quando os agentes do ICE lhe pediram que removesse o cinto e os cadarços. Ele soube imediatamente o que estava acontecendo e perguntou: “Vocês estão me prendendo? Eu não cometi nenhum crime.” Rafi disse que se sentiu traído.
Em 24 de fevereiro, o advogado de Rafi escreveu ao ICE pedindo que liberassem seu cliente. Citou a falta de antecedentes criminais, a ausência de risco de fuga e o processo de asilo em andamento relacionado ao seu trabalho de apoio às Forças Armadas dos EUA no Afeganistão.
James Mullan, diretor assistente do escritório local do ICE em Washington, respondeu que a agência federal não ia liberá-lo. “Os critérios que você mencionou em seu email terminaram em 20 de janeiro de 2025,” Mullan escreveu, referindo-se à data da posse de Trump.