Clayton Castelani, Tulio Kruse
Policiais responsáveis por investigar homicídios na capital paulista vislumbraram na morte de lideranças do PCC (Primeiro Comando da Capital) a oportunidade de se apropriarem de bens e recursos provenientes das atividades criminosas da organização, segundo denúncia apresentada pelo Ministério Público de São Paulo na última sexta-feira (21).
O duplo homicídio do chefe do PCC, Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, e de seu motorista Antonio Corona Neto, o Sem Sangue, em dezembro de 2021, é descrito no documento de 278 páginas como um evento central para a consolidação de uma associação entre policiais civis e um núcleo responsável pela lavagem de dinheiro do crime.
Segundo o documento, foi por ocasião dessas mortes que o delegado Fabio Baena e os investigadores Eduardo Lopes Monteiro e Rogério de Almeida Felício passaram a se conectar com os empresários Ademir Pereira de Andrada, Robinson Granger de Moura e Ahmed Hassan Saleh. Ambos são investigados pela suspeita de operar negócios que tanto arrecadavam quanto ocultavam valores para a organização.
Ocorre que Cara Preta teria sido morto a mando de uma peça-chave nessa engrenagem, o corretor imobiliário Antônio Vinicius Lopes Gritzbach. Ele era responsável por operar um esquema de utilização de dinheiro sujo para a compra de imóveis de alto padrão na região do Tatuapé, na zona leste da capital.
Diversas atividades são atribuídas separadamente aos integrantes do núcleo, como agiotagem e participação em uma empresa concessionária do serviço de ônibus da cidade, mas a conexão entre eles é evidenciada pela compra de imóveis da construtora Porte, da qual Gritzbach havia sido funcionário.
Os promotores estimam que ao menos R$ 40 milhões devem ser confiscados de 12 suspeitos de estarem envolvidos com a prática de corrupção e outros crimes.
Embora tenha negado participar da morte de Cara Preta, Gritzbach assinou um acordo com o Ministério Público por meio do qual confessou crimes financeiros e delatou a associação de policiais e operadores financeiros da facção.
O corretor relatou que sua prisão, em 2022, teria sido tratada como uma “cana de bilhões” em diálogo dos policiais Baena, Monteiro e Felício com o investigador Marcelo Marques de Souza.
Responsável por informações que sustentam grande parte da denúncia, Gritzbach foi morto a tiros de fuzil no Aeroporto Internacional de Guarulhos em novembro do ano passado.
Baena e Monteiro ainda são destacados na denúncia por supostamente terem usado seus cargos para tumultuar a investigação contra Gritzbach, exigindo em troca pagamento em dinheiro e em relógios de luxo.
Alguns dos policiais citados nas investigações envolvendo a morte de Gritzbach teriam, segundo o Ministério Público, um longo histórico de extorsões.
Baena e Monteiro, assim como o investigador Felício, aparecem no documento como responsáveis por repassar dinheiro para o delegado Alberto Pereira Matheus Júnior, a quem supostamente deviam lealdade.
O delegado é descrito como profissional de prestígio que assumiu posições de comando em diversas unidades policiais nos últimos dez anos. Os valores entregues a ele seriam arrecadados de comerciantes e empresários que operam à margem da lei e, por isso, pagavam propinas aos policiais para que não fossem incomodados por eles.
As defesas de Baena e Monteiro negam participação dos agentes nos crimes e criticam a denúncia sustentada pela delação de Gritzbach. A reportagem não conseguiu contato com os demais denunciados.