A Suprema Corte, Donald Trump e o direito de deportar

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Matheus Leitão

A recente decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, que permitiu ao ex-presidente Donald Trump revogar vistos temporários de mais de 500 mil imigrantes venezuelanos, cubanos, haitianos e nicaraguenses, expõe de forma nua e crua a tensão entre legalidade e humanidade. Tecnicamente, a medida se apoia em um princípio consolidado: o poder discricionário do presidente para definir quem pode ou não permanecer no país. Mas na prática, a decisão carrega um caráter desumano, ao empurrar famílias inteiras de volta para regimes de violência e perseguição.

A política revogada havia sido criada por Joe Biden. Em 2022, o ex-presidente instituiu um programa de acolhimento humanitário que permitia a entrada legal de cidadãos desses países, desde que tivessem um patrocinador nos EUA. Para muitos, essa era a única chance de escapar de governos autoritários e crises humanitárias.

A decisão da Suprema Corte se ancora em um conceito que remonta a 1803, quando o tribunal decidiu o caso histórico Marbury v. Madison. Naquele julgamento, a Corte estabeleceu o poder de revisar e anular leis inconstitucionais, mas também distinguiu atos discricionários — decisões políticas sujeitas à vontade do governo — de atos vinculados, que têm execução obrigatória e não podem ser revertidos.

A distinção é clara: ao contrário das nomeações de juízes, que são vinculadas e não podem ser desfeitas, a concessão de vistos humanitários é um ato discricionário de governo. Cada presidente decide se acolhe ou expulsa. Tecnicamente, a Suprema Corte apenas reconheceu esse poder.

Cono bem se sabe, uma coisa é a legalidade, outra é a moralidade. A ONU já denunciou que muitos venezuelanos deportados estão presos em El Salvador, em condições severas e sem acesso a contestação. Não se trata apenas de política de governo — é a dignidade humana sendo varrida por decretos e decisões judiciais.

O caso Marbury v. Madison lembra que o Judiciário americano foi criado para proteger a Constituição. Mas hoje, ao validar o poder de Trump de deportar, a mesma Corte revela um limite cruel: o que é legal nem sempre é justo. E quando as decisões políticas usam essa brecha para negar humanidade a quem só quer sobreviver, a lei vira cúmplice do silêncio e da omissão.



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