Viagem ao centro da Terra em busca de pré-histórias familiares – 03/06/2025 – Bia Braune

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“Você, hein? Não vem aqui, não telefona. Mal sabe se a gente tá vivo ou já morreu!” Quem nunca teve alguém dessa espécie na família –sim, da ordem e da classe dos que fazem gênero— que atire a primeira pedra. E daquelas lascadas, tá? Afinal, se tem uma coisa que eu descobri é que mesmo parente distante, datado por carbono 14, cobra visita e exige beija-mão.

Semana passada estive na França, visitando familiares. Ou pelo menos foi isso que contei à maioria das pessoas, para evitar a fadiga e a fama ainda maior de esquisita. Meu objetivo era buscar ancestrais –e nisso não menti. Só que eram ancestrais com dezenas de milhares de anos.

Carrancudo e parado na frente do Museu Nacional de Les Eyzies, feito meu pai faminto à espera de convivas atrasados para o almoço, fui recepcionada por um tipo baixinho e parrudo, muito assemelhado a meus primos jiu-jiteiros. Era, porém, uma recriação do Cro-Magnon, esse Homo sapiens que deu origem a tantos de nós. E que, conforme o esperado, cobrou pela nossa visita em euros.

Seja para geólogos amadores, espeleólogos de fim de semana ou meros fãs do desenho animado dos Herculoides (tico todos esses quadradinhos), a França é um paraíso de rochas esburacadas espetaculares, dotadas das mais comoventes estalactites e estalagmites. E quando digo “comoventes” é porque meu coração dispara diante dessa apoteose estética que é a tabela periódica da arte. Quando há riozinho subterrâneo, então, com vários tons de azul-turquesa, meus olhos fazem até vazante.

Veja bem: eu, que moro no país da Serra da Capivara (PI) e fui escolada em excursões da 5ª série pela gruta de Maquiné (MG), me senti a própria Capitã Caverna de férias na Europa. Muito familiarizada com tantas opções imperdíveis.

A mais famosa, Lascaux, oferece uma réplica aos turistas, já que visitações efetivas colocam o patrimônio em risco. Rouffignac e sua Carretinha Furacão do paleolítico promovem um passeio por pinturas rupestres misturadas a pichações do século passado. Enquanto Padirac, com anexo art déco e barquinhos que conduzem ao centro da Terra, parece filme do Wes Anderson.

Pech Merle, contudo, me impactou profundamente, oferecendo esse que é o golpe baixo da estética parietal: o contorno da mão humana. Vinte mil anos depois, uma mensagem que segue dizendo “eu estive aqui”, “eu existi”. Ou, já que família é tudo igual, não importa a era geológica, “ora, ora, até que enfim vieste, hein? Beija aqui, pede a bênção”. O resto é Pré-História.


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