Jack Tamisiea
Mais de 500 milhões de anos antes de Matt Groening e “Os Simpsons” nos apresentarem Blinky, um peixe mutante com um olho extra nadando em Springfield, um predador de três olhos perseguia presas pelos mares do Período Cambriano. Uma vez capturada sua presa, um par de garras cobertas de espinhos e uma boca circular repleta de dentes finalizavam o trabalho.
Conhecida como Mosura fentoni, essa criatura tem seus restos preservados no Folhelho Burgess (ou Xisto Burgess), um importante depósito fóssil localizado nas montanhas rochosas de Colúmbia Britânica, no Canadá. No entanto, a anatomia desse animal, descrita na última quarta-feira (14) na revista científica Royal Society Open Science, revela que ele pode não ser tão alienígena quanto parece.
O primeiro espécime de Mosura foi desenterrado há mais de um século pelo paleontólogo Charles Walcott, que descobriu o Folhelho Burgess em 1909. Nas últimas décadas, paleontólogos do Museu Real de Ontário, em Toronto, descobriram dezenas de fósseis adicionais da espécie, que apelidaram de mariposa marinha devido às abas que a ajudavam a nadar e que se pareciam com asas.
Essas criaturas estavam relacionadas aos radiodontes, um grupo de artrópodes ancestrais que dominavam as cadeias alimentares do Cambriano. Mas uma inspeção mais detalhada do animal não aconteceria até que um tesouro de espécimes de Mosura fosse desenterrado em 2012 em Marble Canyon, um afloramento do Folhelho Burgess.
“Ter essa coleção de espécimes antigos e novos nos impulsionou a finalmente desvendar esse animal”, disse o paleontólogo Joseph Moysiuk, que estudou os fósseis de Marble Canyon como estudante de doutorado.
Moysiuk uniu forças com seu orientador no Museu Real de Ontário, Jean-Bernard Caron, para examinar cerca de 60 espécimes. A exemplo de outros fósseis do Folhelho de Burgess, muitos deles foram bem preservados, mantendo características como tratos digestivos e sistemas circulatórios. Alguns até possuíam vestígios de feixes nervosos em cada um dos três olhos da criatura.
A equipe fotografou os espécimes de Mosura sob luz polarizada para capturar a anatomia detalhada dos fósseis achatados.
Uma característica definidora dos artrópodes vivos é a divisão de seus corpos em partes especializadas. Por exemplo, crustáceos como caranguejos têm diferentes apêndices adaptados para realizar certas funções como alimentação ou locomoção. Fósseis de muitos ancestrais primitivos de artrópodes, incluindo outros radiodontes, têm planos corporais relativamente simples. Pesquisadores, portanto, há muito propõem que a segmentação levou muito tempo para evoluir.
Mosura contraria essa tendência. Apesar de medir apenas 6,3 centímetros de comprimento, seu corpo estava dividido em até 26 segmentos.
“É algo que nunca vimos antes nesse grupo de animais, não apenas em termos do grande número de segmentos, mas também em termos de como eles são diferenciados de outras partes do corpo”, afirmou Moysiuk, que hoje está no Museu de Manitoba, em Winnipeg.
Além de suas amplas nadadeiras, o animal possuía um tronco altamente segmentado na parte traseira de seu corpo repleto de brânquias. De acordo com os pesquisadores, essa região se parece com as estruturas semelhantes a abdômen que os caranguejos-ferradura, tatuzinhos-de-jardim e alguns insetos usam para respirar.
Otimizar sua captação de oxigênio teria sido vital para um predador ativo como o Mosura. Os pesquisadores propõem que o animal perseguia pequenas presas em águas abertas. Provavelmente também precisava se esquivar rapidamente de contemporâneos maiores, como o Anomalocaris, de 60 centímetros de comprimento, ou o Titanokorys, com formato de nave espacial.
Como nenhum outro radiodonte tinha um tronco tão especializado, os pesquisadores puseram o Mosura em seu próprio grupo. E, em vez de nomear o animal com base naquele peixe de desenho animado com três olhos, a equipe se inspirou em outra referência da cultura pop, Mothra, a némesis alada de Godzilla. Segundo Moysiuk, o nome é uma referência tanto ao apelido da criatura quanto à popularidade duradoura das criaturas do Folhelho Burgess no Japão.
A equipe observou outras características notáveis em Mosura, incluindo manchas escuras e reflexivas dentro do corpo da criatura e nadadeiras. Os pesquisadores sugerem que estas últimas reúnem cavidades internas que continham o sangue do animal depois de ser bombeado para fora de seu coração tubular.
No entanto, nem todos os pesquisadores estão convencidos de que essas marcas representam bolsas de sangue fossilizadas. De acordo com Joanna Wolfe, paleontóloga da Universidade de Harvard que não participou do novo estudo, elas poderiam ser outras características, como glândulas intestinais.
Embora algumas características de Mosura possam estar sujeitas a debate científico, Caron disse acreditar que os segmentos corporais dessa antiga criatura marinha deixam clara sua conexão com os artrópodes vivos. “É realmente um animal muito estranho, mas talvez não necessariamente tão estranho quanto parece inicialmente.”