Alex Avelino
O céu é um negro profundo. Tons azulados e vermelhos quebram o fundp escuro, trespassado por linhas que ora evidenciam e ora deslocam o horizonte. À frente, vegetais dourados serpenteiam. “Tempestade com Quiabos (Turner)” é uma das obras de “Esculturas com Vento”, nova exposição de Erika Verzutti que entra em cartaz no sábado (31), no galpão da galeria Fortes D’Aloia & Gabriel, na zona oeste de São Paulo.
Na mostra, esculturas e relevos de parede oscilam e se inclinam, evocando instabilidade física e emocional. Verzutti, que já expôs do Masp ao Centre Pompidou, na França, dialoga com a tradição da representação artística do clima e do tempo, de Leonardo da Vinci a William Turner, mas incorporando elementos e materiais comuns ao seu trabalho frutas, legumes, ovos e jornais.
“Acho que todas as esculturas têm vontade própria”, afirma a artista. “Dessa vez, elas aparecem alteradas pelo vento. Não trago o vento literal, mas uma hipótese —se batesse um vento que levasse tudo embora, como essas coisas reagiriam?”
O vento, força invisível e imprevisível, aparece nas esculturas como inclinação, torção, resistência. É o caso de uma estrutura de frutas e legumes de bronze que sustenta-se apenas com o peso da cauda de bananas esparramadas pelo chão.
O movimento, ou a ameaça de colapso, é um eixo conceitual que se adensou no trabalho da artista a partir de 2023, quando ela passou a produzir esculturas tombadas, de torres caídas que repousam sobre travesseiros improvisados de pilhas de jornais. “Era uma reação à quase impossibilidade de colocar uma coisa reta, ereta, assertiva, nesse momento de instabilidade que estamos vivendo”, explica.
Para Verzutti, a arte não é uma válvula de escape ou distração à crise climática e política. “O trabalho está sempre tentando lidar com a realidade. Acho que qualquer trabalho de arte quer mostrar o que é real”, diz.
Um dos elementos recorrentes na obra da artista é o uso de vegetais, especialmente frutas e legumes, por serem, para ela, expressivos e, ao mesmo tempo, manterem um vínculo com a realidade. Verzutti tem esses materiais como uma porta de entrada universal para seu trabalho, já que todos têm o hábito de comer.
O quiabo, por exemplo, aparece como um vetor formal e dinâmico —por ser curvo, cria movimento e parece voar sozinho. Verzutti explica que, por isso, o prefere a uma forma geométrica convencional, como um cilindro. Esse hibridismo entre matéria e cultura é, segundo ela, o núcleo de sua prática.
Embora o humor esteja presente na obra —seja na forma ou nos títulos— a artista não se considera irônica. “Ironia é quando você dá uma coisa, mas tira. E eu quero oferecer. Quando falo de graça, é no sentido de graciosidade, de trazer algo para quem está vendo.”
Ela, no entanto, diz não ser uma pessoa muito cômica. “Adoraria ser mais engraçada. As coisas são muito sérias, mas eu acho que tem uma uma coisa mundana que me interessa. Seria meu sonho fazer memes. Já tentei, mas sou incapaz.”
Sobre a forma como absorve referências, Verzutti coloca todas em pé de igualdade. “Sempre pensei que tudo tem o mesmo peso —Turner ou quiabo, uma pintura ou uma receita. Coloco as coisas todas no mesmo nível. Você vê um trabalho que gosta e uma receita que queria fazer. Sempre pensei assim.”