As causas do atraso português – 22/02/2025 – Samuel Pessôa

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O historiador português Nuno Palma acaba de publicar em Portugal, pela editora Don Quixote, “As Causas do Atraso Português”. O livro faz uma revisão da história econômica de Portugal do século 16 até hoje.

Palma nos oferece uma descrição muito original da história econômica portuguesa, que está bem assentada nos achados mais recentes da pesquisa acadêmica. Discordando da leitura mais tradicional, Palma não localiza o atraso dos povos peninsulares na Contrarreforma ou em qualquer questão cultural ou religiosa. A Contrarreforma, a Inquisição e o atraso cultural, principalmente educacional de Portugal, desempenharam um papel prioritariamente político na construção do absolutismo português.

O atraso institucional português começou a ser construído em meados do século 16, com o avanço institucional inglês em razão da guerra civil e da Revolução Gloriosa. Até esse período, não havia diferença relevante na renda per capita de Portugal e da Inglaterra, e as instituições políticas portuguesas limitavam o poder discricionário do rei, em algumas dimensões, até mais do que as cortes inglesas. Até o fim do século 16, não se pode falar de absolutismo em Portugal.

A piora institucional ocorreu definitivamente no século 18 e foi fruto da doença holandesa produzida pelo ouro do Brasil. A riqueza fácil abortou um incipiente processo de industrialização que ocorria.

Adicionalmente, o ouro de Minas permitiu que o rei não precisasse da autorização das cortes para financiar o Estado. As cortes não foram convocadas por pouco mais de 120 anos, até 1820. Finalmente, o fechamento total do regime político consolidou um capitalismo de compadrio. Palma sugere que até o final do século 17, aproximadamente, a economia portuguesa era mais competitiva.

O marquês de Pombal é a figura histórica que se sai pior na reconstrução histórica de Palma. Com a expulsão dos jesuítas, o marquês produziu um atraso educacional no país do qual Portugal somente se recuperaria na primeira década do Estado Novo salazarista!

Pombal e as escolhas posteriores transformaram Portugal em um país de analfabetos até meados do século 20. Devido ao peso imenso que a escolarização básica de qualidade tem no desenvolvimento econômico, aí está boa parcela do atraso de Portugal.

Para Palma, Portugal ficou parado no período da monarquia constitucional, de 1820 até 1910, e assim se manteve na curta Primeira República, até 1926. No Estado Novo, inicia-se o processo de convergência portuguesa com os países ricos. A melhora educacional e, no pós-guerra, o engate do país à Europa permitiram forte convergência da renda per capita de Portugal.

O processo de convergência continuou no período democrático recente, que se iniciou há 51 anos com a Revolução dos Cravos. Nas últimas duas décadas, Portugal voltou a se atrasar em relação aos países mais ricos. Palma enfatiza o efeito deletério das transferências da Comunidade Econômica Europeia, com efeitos ruins parecidos com o do ouro de Minas do século 18.

A parte final é a que me pareceu menos convincente. Provavelmente houve nas últimas duas décadas piora na alocação dos fatores, como tem ocorrido na América Latina, em geral.

Para uma resenha mais alentada, leia o Blog do Ibre. Seria oportuna uma edição brasileira do livro de Palma.


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