Tulio Kruse
Os assaltos que a nutricionista Catarina Silvério, 27, sofreu no Sítio da Figueira, na zona leste de São Paulo, duraram menos de um minuto. O impacto psicológico de cada um deles, porém, se prolonga no tempo. Hoje ela evita visitar o bairro em que cresceu, onde seus pais e irmãos ainda moram.
Num período de pouco mais de um ano, Catarina foi vítima de cinco roubos. A dinâmica foi parecida em todos: ela andava a pé perto da casa quando os assaltantes —um ou dois, a depender do caso— chegaram de moto e a ameaçaram, levando tudo que ela tinha de valor. Já perdeu três celulares, dinheiro vivo, compras.
No ano passado, ela e a irmã tiveram os smartphones tomados e tiveram de sair correndo sem olhar para trás, sob ameaça de serem baleadas. Em novembro, voltava sozinha do mercado com os ingredientes do jantar que ia fazer para o namorado quando dois homens a abordaram apontando pistolas em sua direção. Como dessa vez estava sem o celular, os ladrões levaram toda a comida das sacolas e o troco que ela levava no bolso.
Catarina ficou paralisada pelo medo. Estava a menos de 50 metros do portão de casa, mas a mãe teve que ir até ela e acompanhá-la no caminho de volta. Ela parou de sair de casa sozinha, pedia companhia até para ir ao ponto de ônibus.
A frequência dos roubos foi decisiva para que ela se mudasse com o namorado para São Caetano, na região metropolitana, a cerca de cinco quilômetros da casa da mãe.
“Foi difícil, mas eu decidi [sair] porque eu entrava em pânico, ficava ansiosa. Eu não queria sair para fazer nada”, ela conta. “Tenho medo quando vejo uma moto, mas estou conseguindo fazer minhas coisas sozinha, chegar do serviço e vir do ponto até minha casa.”
O Sítio da Figueira está na circunscrição do 42º Distrito Policial, do Parque São Lucas. É o segundo distrito em que os roubos mais cresceram no primeiro trimestre de 2025 na capital paulista, em comparação com o mesmo período do ano passado.
Foram 212 registros de janeiro a março, alta de 48%. Apenas a Vila Alpina, distrito vizinho, teve aumento maior (de 55%, chegando a 230 roubos registrados).
Houve queda na quantidade de roubos na capital ao longo do ano passado. A cidade passou de 30.881 queixas em 2023 para 26.758 em 2024. No primeiro trimestre de 2025, enquanto a tendência geral de queda nos roubos se manteve, 25 dos 94 distritos policiais paulistanos tiveram aumento nos registros.
Todos na família de Catarina já foram vítimas de roubo ou tentativa de assalto no último ano. A sensação de descontrole na segurança fez com que a mãe dela, a professora Magda Miyashiro, 58, organizasse moradores para reivindicar mais policiamento e câmeras públicas de monitoramento.
“Aumentou o policiamento depois das reuniões que fizemos [com a PM e a GCM]”, diz Magda. “Tem câmeras sendo instaladas, tem mais carros da PM passando. É o suficiente? Não, não é.”
A seis quilômetros de distância da casa dela, a rua Guaiana-Timbó tornou-se um ponto de assaltos. Foram cinco roubos a mão armada em pouco mais de um mês no mesmo endereço, segundo uma moradora. Todos os casos são semelhantes.
As vítimas sempre ofereciam na internet objetos para venda. Um interessado então indicava que faria a compra e marcava no endereço. Quando a pessoa chegava ao local combinado para concretizar o negócio, porém, em vez do comprador quem aparecia eram criminosos armados, que levavam os produtos.
O último caso ocorreu na tarde do dia 9 de maio. Um vídeo feito por uma moradora mostra um homem de capacete segurando uma pistola na mão direita e um celular na esquerda.
A vítima dita a senha numérica do celular roubado, o assaltante coloca a arma dentro da bermuda e põe de pé uma moto que estava caída no asfalto. Um comparsa, também com capacete na cabeça, sobe na garupa.
Já houve um caso em que a vítima atropelou os assaltantes, e um deles chegou a disparar a arma, segundo uma moradora da rua. Ninguém se feriu. Além dos celulares do anúncio, os ladrões levam smartphones pessoais e outros eletrônicos —num dos casos houve roubo de notebook.
Segundo uma manicure de 31 anos que mora na região, o local antes era calmo, mas a situação mudou com os casos recentes. Ela pediu para não ter seu nome divulgado por temer represálias.
O distrito de Pinheiros, na zona oeste da capital, é o campeão nos registros de roubo neste ano. Foram 905 casos no primeiro trimestre, 4,4% a mais do que em 2024. A maior parte dos assaltos tem como alvo pedestres e motoristas. Celulares e joias são os itens mais cobiçados.
A alta ocorre mesmo após a proliferação de totens com câmeras de vigilância nas fachadas de muitos condomínios na zona oeste. “O que a gente nota é que a existência dos totens não evita o roubo, mas é um instrumento para a policia depois utilizar para a persecução penal”, diz o advogado Marcelo Campagnolo, vice-presidente da Associação dos Amigos de Alto dos Pinheiros, e responsável pela área de segurança da entidade.
Em novembro, a faxineira Gislene Eglito, 55, foi abordada na rua por dois assaltantes que queriam sua aliança. Um deles, armado, a obrigou a cuspir na mão, já que o anel relutava a sair do dedo. Há menos de duas semanas, foi a vez de sua mãe, Inês, 77.
Pouco depois das 9h de uma terça-feira, um assaltante estacionou a moto em frente ao portão da casa, na Vila Sapopemba. Simulando uma arma por baixo da camiseta, exigiu aliança da mulher. “Minha mãe perdeu meu pai há 23 anos e ela tem um xodó com aquela aliança, que ela não tira para nada”, conta Gislene. “Ela disse não.”
O ladrão acabou ficando com os anéis da nora de Inês, que estava na casa. Ao sair, o criminoso ameaçou: “Eu te mato, viu?”.
Na família, praticamente todos já foram atingidos pela espiral de violência. Gislene conta que, em abril, uma de suas cunhadas foi rendida dentro do próprio salão de beleza junto com a filha de 12 anos por assaltantes armados. Eles levaram o carro, o celular da menina e o equivalente a R$ 400 em produtos de beleza. Elas também resolveram mudar de cidade.
Série mostra como a violência afeta a população
Em meio a um aumento da sensação de insegurança, a nova série de reportagens Vítimas da Violência traz relatos de quem sofreu com a criminalidade para mostrar os impactos que a violência causa no cotidiano da população, da perda de entes queridos a traumas após roubos e sequestros.