Fotógrafa expõe em livro as cicatrizes da Armênia – 27/05/2025 – Ilustrada

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Matheus Rocha

A Armênia é um território rasgado por cicatrizes. Localizado nas montanhas do Cáucaso, o país teve parte de sua população dizimada por um genocídio que matou mais de 1,5 milhão de pessoas e por conflitos armados com o Azerbaijão que se arrastaram por quatro décadas.

As marcas dessa história conflagrada estão no livro “Uma Ilha Chamada Armênia”, da fotógrafa brasileira Cassiana Der Haroutiounian. A profissional visitou o país 17 vezes durante mais de dez anos, período em que andou sem rumo pelas ruas de vilarejos à caça de cenários para fotografar.

O resultado dessas andanças são imagens de fissuras em paredes que lembram cicatrizes e fachadas crivadas por balas que são fruto do conflito com o Azerbaijão.

Os dois países da antiga União Soviética travaram uma série de guerras desde o final dos anos 1980. O estopim do conflito aconteceu depois que a Nagorno-Karabakh —região controlada pelo Azerbaijão, mas que tinha maioria étnica armênia— declarou independência.

“A Armênia para mim está em carne viva”, afirma Der Haroutiounian. “Eu não estou contando uma história sobre a guerra, mas de certa forma ela está ali também. São as minhas guerras internas.”

A fotógrafa é descendente de armênios que vieram para o Brasil fugindo do genocídio perpetrado pelo antigo Império Otomano entre 1915 e 1923. Se hoje a fotógrafa se orgulha de suas raízes, na juventude costumava se rebelar contra elas.

“A minha família tinha uma coisa muito forte de pertencer a uma comunidade. Quando eu era mais nova, eu ficava: ‘Nossa, que saco, sabe? Eu não quero fazer parte disso nem ter esses costumes.”

Essa relação com o país começou a mudar em 2010, quando ela visitou a Armênia pela primeira vez. Der Haroutiounian lembra que a conexão foi imediata.

“Parecia que a minha coluna vertebral tinha se consolidado. Essa ancestralidade pulsou em mim de uma maneira que eu nem imaginava. Foi uma experiência que me tornou a pessoa que eu sou hoje. Atualmente, me considero mais armênia do que brasileira.”

Para a fotógrafa, viajar ao país se tornou um processo terapêutico. “É quase uma experiência de cura. Eu busco o silêncio de lugares inóspitos como um processo de meditação. É como se eu abrisse as montanhas e entrasse fundo dentro delas.”

Formações rochosas, aliás, permeiam a maior parte do livro. Ao olhar as imagens, a impressão que se tem é que as montanhas são como muralhas que tanto protegem o território armênio quanto deixam a sua população enclausurada.

O título do livro vem justamente dessa sensação de isolamento. “A Armênia é um país que não tem mar, mas eu me sentia ilhada todas as 17 vezes em que estive lá. Só que eu não estava ilhada pelo oceano, e sim por montanhas.”

O isolamento não está presente apenas no título da obra, mas também em imagens que retratam imóveis abandonados em áreas desabitadas. São ruínas que provocam um sentimento de solidão parecido com aquele que a fotógrafa experimentou ao morar na Armênia, em 2014.

“Nessa época, comecei a percorrer todos esses lugares sozinha. Acordava às cinco da manhã quase todos os dias, pegava o carro e dirigia sem rumo.”

Em 2021, ela voltou ao Cáucaso por motivos profissionais. À época, cobriu pela Folha o conflito que se desenrolava em Nagorno-Karabakh, região que havia sido cercada por tropas azeris em 2020. O objetivo da investida militar era recuperar distritos que se separaram com o apoio da Armênia.

“Quando cheguei em Nagorno-Karabakh, era uma dor muito grande ver a guerra de perto e ouvir todas as histórias dos homens que foram para o conflito e nunca mais voltaram.”

Em 2023, o território foi reconquistada pelo Azerbaijão, processo que levou à fuga de 100 mil armênios. “Assim como eu, o país carrega cicatrizes. Quando vou para lá, abro e fecho as minhas próprias feridas.”



Leia Mais: Folha

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