Maria Hermínia Tavares: Muito além do ‘Sul Global’ – 22/05/2025 – Maria Hermínia Tavares

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Manter o equilíbrio nas relações com os Estados Unidos, a China e a União Europeia talvez seja o principal desafio da política externa brasileira.

Há muito tempo, o país chegou à maturidade em suas relações com a grande potência do Norte e com as nações da zona do euro. Escapando do realinhamento político automático, o amadurecimento se expressa no baixo grau de conflito; na discussão pragmática das divergências; na cooperação onde possível; no distanciamento quando necessário; na autonomia sempre. O relacionamento oficial, gerido no dia-a-dia por diplomatas de carreira, independe em boa medida da linha dos governos de turno. (Exceção feita ao curto período em que o comando do Itamaraty foi assaltado pelo bolsonarismo delirante do ministro Ernesto de Araujo).

Convém avaliar sob esse prisma a construção de relações maduras com a China, do que a recente visita do presidente Lula – e enorme comitiva – é um episódio.

Foi uma viagem mais do que oportuna. Quando Donald Trump desorganiza o comércio mundial com a ameaça de tarifas exorbitantes, o Brasil mostrou serem muitas as oportunidades a explorar com o gigante asiático, seu principal parceiro comercial. Dali saiu com promessas de investimentos de empresas locais da ordem de R$27 bilhões na produção automobilística, em energia renovável, transporte e delivery, insumos farmacêuticos e até bebidas. Como se pouco fosse, 0 Banco Central explora a possibilidade de empresas brasileiras captarem recursos por meio de lançamento de títulos em yuan, a moeda chinesa.

Mas convém lembrar que as relações entre Brasília e Beijing, embora tenham adquirido envergadura no plano comercial nestas últimas décadas, não configuram um diálogo entre iguais. Como observou o professor Maurício Santoro, da UFRJ, no livro “Brazil-China relations in the 21st century” publicado na Inglaterra, e a merecer tradução para o português, sob a retórica da cooperação Sul-Sul, o comércio entre os dois países se assemelha ao padrão da tradicional dependência Sul-Norte: vendemos commodities e importamos manufaturados.

Além do mais, a diferença de regimes políticos, inexistente no relacionamento com os Estados Unidos e a União Europeia, sugere cautela adicional no trato com a China autoritária.

A ideia do “Sul Global”, se já teve serventia no passado, hoje mais atrapalha do que ajuda a definição de uma política externa realista do Brasil para com a China. Disso são prova certas declarações do presidente Lula e alguns vídeos oficiais sobre a viagem postados no seu Instagram oficial. O escorregão da primeira-dama no diálogo com Xi Jin Ping parece provir da mesma falta de clareza dos limites da cooperação sino-brasileira.

No já remoto ano de 1946, o deputado Octavio Mangabeira, da conservadora UDN (União Democratica Nacional) ajoelhou-se e beijou a mão do general Dwight Eisenhower, comandante das forças aliadas na Segunda Guerra Mundial e futuro titular da Casa Branca. Com o gesto, entrou para a História como exemplo da subserviência da oposição anti-getulista ao chamado “Grande Irmão do Norte”. Quase 80 anos depois, pega mal um presidente de esquerda, por ingenuidade ou erro de cálculo, agir de forma assemelhada diante dos poderosos da vez.


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